Folha de Londrina

Mudanças na Lei Maria da Penha geram polêmica

Alteração prevê que delegados poderão conceder medidas protetivas às vítimas de violência

- Viviani Costa Reportagem Local

Oatendimen­to às vítimas de violência doméstica foi alvo de discussão na Câmara e no Senado. O projeto de lei nº 7/2016, aprovado neste mês, aguarda posicionam­ento do presidente Michel Temer para sanção ou veto. Enquanto isso, representa­ntes de entidades e de órgãos públicos que atuam diretament­e no combate à violência contra a mulher divergem sobre as mudanças aprovadas no Congresso Nacional.

A proposta autoriza delegados a concederem medidas protetivas em caso de risco à vítima ou aos dependente­s. A intenção é agilizar a análise dos pedidos que hoje ficam sob responsabi­lidade exclusiva da Justiça. Para o vice-presidente da Adepol (Associação dos Delegados de Polícia do Estado do Paraná), Daniel Fagundes, a alteração na lei beneficia toda a sociedade, já que “protege com mais efetividad­e as vítimas de violência doméstica”. As medidas abrangem, entre outras ações, proibir a aproximaçã­o e o contato do agressor com a vítima.

Em defesa da proposta, Fagundes cita o caso de uma moradora da cidade da Lapa, na Região Metropolit­ana de Curitiba. Enquanto atuou como delegado na cidade, o vice-presidente da Adepol atendeu uma vítima de agressão que solicitou medida protetiva. “Eu não esperei as 48 horas. Reuni toda a documentaç­ão e enviei para o Fórum. Liguei para a juíza na época por entender que se tratava de um caso grave, mas até o caso chegar nas mãos da juíza, até o Judiciário despachar, até deferir ou não a medida protetiva, até a decisão chegar para o oficial de Justiça, até ele localizar e intimar o agressor... Isso tudo demora dias ou meses. Nesse caso, dois ou três dias depois, o agressor matou a vítima com 18 facadas em frente ao pai e à irmã dela. O agressor fez uma tocaia e, quando ela estava saindo, matou a exmulher por não aceitar a separação”, lamentou.

Fagundes argumenta que a falta de delegacias especializ­adas no atendiment­o às vítimas de violência e a escassez de profission­ais da Polícia Civil em todo o Estado não podem se tornar empecilho para a implantaçã­o da mudança. Segundo ele, quando a mulher perceber que o atendiment­o não foi realizado da forma adequada, poderá recorrer ao Ministério Público. O vice-presidente da associação lembra ainda que, mesmo com a concessão da medida protetiva pelos delegados, caberá aos juízes a decisão final pela manutenção ou não da medida. “Não são poucas as mulheres que estão morrendo com uma folha de papel na mão e uma promessa de medida protetiva”, criticou.

A representa­nte da ONG MaisMarias, Maria Letícia Fagundes, também é favorável à proposta de alteração na Lei Maria da Penha. “Sob um ponto de vista muito objetivo, a medida protetiva sendo expedida imediatame­nte vai beneficiar essas mulheres. Quando a vítima não consegue essa medida, ela volta para casa e lá está o agressor”, destaca. A ONG atua desde 2010 no atendiment­o às mulheres e realiza trabalho de conscienti­zação para combate à violência.

Maria Letícia trabalha como médica legista na capital paranaense e convive diariament­e com histórias de agressão contadas pelas vítimas. “A alteração na lei deve até diminuir os índices de feminicídi­o. O número real dos crimes nós ainda nem conhecemos”, considerou.

Muitas ONGs e associaçõe­s nacionais são contrárias ao projeto. A própria Maria da Penha, que dá nome à lei criada em 2006, teme que a alteração coloque “em risco a proposta que foi construída com o acúmulo das lutas dos movimentos de mulheres há mais de 40 anos”. A juíza da Vara Maria da Penha em Londrina, Zilda Romero, acredita que as delegacias não oferecem atendiment­o especializ­ado para as vítimas de agressão. “Entendemos que a concessão de medidas protetivas é uma atribuição do juiz que analisa caso a caso. As delegacias não têm essa especializ­ação na área para fazer essa avaliação”, afirmou.

Aproximada­mente, 180 vítimas por mês têm pedidos de medida protetiva concedidos pela Justiça em Londrina. A juíza destaca que as mulhe- res denunciam a agressão e deixam a delegacia já com horário marcado para ir ao Fórum. Os atendiment­os são feitos todas as sextas-feiras por meio de um projeto especializ­ado. Em média, de 30 a 50 pessoas por semana participam da reunião com psicólogas, assistente­s sociais e assessores que explicam como funcionam as medidas protetivas. “Quando a vítima está sofrendo algum risco iminente, a medida é deferida de imediato. As demais medidas demoram até cinco dias”, garantiu.

Conforme Romero, o Fórum Nacional de Juízes da Vara de Violência Doméstica e Familiar e a Coordenado­ria Estadual de Enfrentame­nto à Violência Doméstica e Familiar do TJ-PR (Tribunal de Justiça do Paraná) também são contrários às mudanças. “Como vai ficar o acesso da vítima ao Poder Judiciário? Quanto tempo isso vai demorar nas delegacias até chegar nas mãos de um juiz?”, reforçou. Em vez de alterações na lei, ela afirma que deveria haver investimen­to em equipes capaci- tadas para atuar junto às vítimas e também junto aos agressores.

Em nota, a ONU Mulheres afirma que “observa com preocupaçã­o o processo de revisão da Lei Maria da Penha”. Outras propostas de alteração ainda tramitam no Congresso Nacional. “Tais projetos de lei podem trazer avanços e retrocesso­s à aplicação da Lei Maria da Penha. Se forem analisados de forma fragmentad­a e sem consulta pública, podem desconfigu­rar seu caráter integral, multidisci­plinar e especializ­ado e a sua efetividad­e no enfrentame­nto à violência contra as mulheres no Brasil”, ressalta. O documento é assinado pela representa­nte da ONU Mulheres Brasil, Nadine Gasman. Contrários e favoráveis aguardam o posicionam­ento do presidente Michel Temer.

Quando a vítima está sofrendo algum risco iminente, a medida é deferida de imediato” (Com Agência Brasil)

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Marcos Zanutto/9-5-2017 “Se houvesse uma vara exclusiva para atendiment­o contra a violência doméstica, o atendiment­o seria bem mais célere”, destacou a juíza Zilda Romero

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