O direito à nudez
Assistir a espetáculos de dança me ensinou sobre o corpo. Com eles, aprendi que a potência e a explosão do corpo no palco dinamitam a mesquinharia das dicotomias banais, de corpos bonitos/ feios, obesos/magros, adequados/inadequados; no palco, todo o corpo é estupendo. Também compreendi que o corpo pode, absolutamente, qualquer coisa, se assim o desejar; sob as luzes, ele é invencível. Consolidei ainda a certeza de que a nudez não é um convite ao coito, mas uma entrega voluntária do artista ao público daquilo que ele tem de mais íntimo e vulnerável – sua pele sem disfarces, puro movimento.
Faço absoluta questão de que os meus filhos assistam a apresentações de dança em geral, incluindo as de nudez. Considero o acesso a tais produções um direito fundamental e inalienável do indivíduo em formação. Ao espetáculo, minhas crianças oferecem o olhar cândido de quem vê o corpo nu como alimento, fonte de leite e calor. Em contrapartida, o espetáculo expõe a eles o corpo como planejamento, técnica, narrativa e descrição dos estados d’alma. Desse intercâmbio, nasce algo tão bonito que também lembra a nutrição: o deleite.
Quero criar uma filha que construa alegria e prazer a partir de seu corpo, sem ser oprimida pelos padrões hegemônicos de beleza ou pela fragilidade física de seu gênero. Que ela jamais sinta medo simplesmente por ter um corpo. Igualmente, quero criar um filho que construa alegria e prazer a partir de seu corpo, sem nunca usá-lo para subjugar quem quer que seja, muito pelo contrário. Que ele saiba ter o corpo de um homem, não o de um macho. Que meus filhos celebrem seus corpos como os espaços sagrados que são; que zelem por sua saúde; que compartilhem aromas com seus futuros parceiros, de maneira adulta e consensual, porque o corpo deve ser a morada do amor, tanto do amor próprio quanto do destinado ao outro.
E, sim, a arte me ajuda nesta missão, porque ela forma pessoas críticas, capazes não só de existir, mas também de ser. A arte e a educação, juntas, representam a vitória da humanidade sobre a barbárie, elas nos ensinam todos os dias que o medo do corpo é sempre o medo da liberdade. CLAUDIA FREITAS é professora universitária em Londrina