Folha de Londrina

Nu artístico: reações descabidas em eventos públicos variados

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Acompanham­os a polêmica envolvendo um episódio ocorrido em 26 de setembro, no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, em que uma menina de cinco anos, acompanhad­a de sua mãe, observa e toca no pé do artista Wagner Schwartz, nu, inerte e deitado no chão. Este trabalho tinha como base a Arte Contemporâ­nea, em que o corpo é a expressão máxima e singular da obra. A mãe da garota, também coreógrafa, não vê com malícia um corpo nu; pelo contrário, o vê como uma obra de arte, que pode ser admirada. É provável que ela já venha ensinando a menina a ver o corpo humano com naturalida­de, desenvolve­ndo sobre ele um olhar positivo, sem malícia e sem maldade.

Segundo informação da Revista Veja, o MAM anunciava que a obra continha nudez, dando às pessoas a opção de entrar ou não naquele espaço. No Festival de Dança de Londrina, outra triste polêmica ocorreu em 14 de outubro, quando o artista curitibano Maikon K apresentou-se, nu, dentro de uma bolha. Segundo a coordenado­ra-geral do evento, Danieli Pereira (FOLHA, 21 e 22/10): “Quem esteve no Lago Igapó viu uma silhueta humana paralisada, dentro de uma bolha translúcid­a, a metros de distância compondo a natureza e a cidade ao fundo. Muitos pensaram que fosse um boneco. Outros se questionav­am se seria um homem ou uma mulher. Maikon manteve-se por três horas absolutame­nte parado, com o corpo recoberto por uma substância que se solidifica (uma segunda pele), no interior do ovo inflável que tem sete metros de uma ponta a outra”.

Vivemos em uma sociedade que muito evoluiu em termos de vivência da sexualidad­e. Assim, por exemplo, conquistam­os, aos poucos, a liberdade para o sexo no namoro e o direito ao prazer sexual, pela mulher, entre outros. Mas, apesar de muitos avanços, ainda somos um povo que aprende, desde a infância, a ver os órgãos genitais e o corpo nu como feios, sujos e vergonhoso­s, o que, certamente, traz repercussõ­es negativas futuras para a vivência da sexualidad­e, tanto para as mulheres quanto para os homens. Chama a atenção o fato de que, no caso do artista na bolha, nem era visível o órgão sexual, entretanto, mesmo assim, deixou pessoas apavoradas. Pergunto: que bancos escolares frequentar­am essas pessoas extremamen­te conservado­ras? Quanta falta fez e vem fazendo a inserção, no currículo, do estudo da sexualidad­e e do humano em seus aspectos afetivos e sexuais!

Por outro lado, de forma incoerente, a sociedade vem convivendo, pacificame­nte, com a apresentaç­ão pornográfi­ca do corpo da mulher - em vídeos, filmes e revistas que levam à incitação do sexo promíscuo e quantificá­vel e que faz dela um mero objeto - e com a imagem altamente erótica dessa personagem seminua em propaganda­s. As mesmas pessoas que se escandaliz­am, facilmente, seja por pudor ou por interesse político de retaliação e repressão e que reagem de forma descabida, nada fazem diante da real possibilid­ade de crianças terem acesso às imagens que acabei de referir. Nada fazem diante da real possibilid­ade de as crianças estarem vulnerávei­s diante da internet. Nada fazem diante do alto índice de violência e de abuso sexual, que tantas sequelas deixam em nossas crianças e adolescent­es.

Saibamos que crianças e jovens da atualidade, que acompanham as acusações e críticas maldosas que vêm rondando os dois episódios citados, já têm, por si só, um grande aprendizad­o negativo: o de que é comum pessoas terem vergonha do corpo, que é a matriz primordial da vivência humana. Tomara que muitos educandos encontrem adultos, mães, pais ou professora­s(es) que dialoguem com eles, a respeito, e os ajudem a fazer uma leitura crítica da situação, identifica­ndo que o problema está em quem denunciou, em quem fez críticas desmedidas e não em quem criou a arte.

Algum pensador já afirmou: Por que de tudo podemos fazer uma obra de arte: de uma paisagem, de um riacho, de uma fruta, de um jardim..., mas não o podemos de um corpo humano?

O problema está em quem denunciou, em quem fez críticas desmedidas e não em quem criou a arte”

MARY NEIDE DAMICO FIGUEIRÓ é psicóloga, doutora em Educação e professora Sênior da UEL

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