Regra sobre redação do Enem provoca polêmica
Justiça suspendeu determinação do Inep que zera prova no caso de violação aos direitos humanos
No dia 26 de outubro, o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) decidiu pela suspensão da regra do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) que permite que o corretor zere a redação do aluno que violar os direitos humanos. A ação civil pública foi movida pela associação Escola Sem Partido, que entende a regra como um “patrulhamento ideológico” do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).
A decisão judicial provoca polêmica. De um lado, a associação Escola Sem Partido comemorou, por meio de nota oficial lançada no Facebook, a decisão da Justiça de Brasília. “Ninguém é obrigado a dizer o que não pensa para poder entrar numa universidade (…). A exigência do Inep, na prática, transforma a redação do Enem num imenso filtro ideológico”, publicou a entidade.
Por outro lado, a presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB-Londrina (Ordem dos Advogados do Brasil), Fabíola Matozo, classifica a decisão do TRF1 de retirar a regra de violação aos direitos humanos do Enem como “absurda”. “O Judiciário não pode corroborar com um movimento que se julga apartidário, mas que defende uma ideologia e criminaliza outra. Isso não existe”, alfinetou.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi publicada em 1948, três anos após a criação da ONU (Organização das Nações Unidas), com o intuito de proteger o direito a vida e a liberdade. Segundo a ONU, os “direitos humanos são inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição.”
No ano passado, o tema da redação do Enem foi “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”, e diversos textos ganharam nota zero por violarem diretamente o artigo 18 da declaração dos direitos humanos, que diz que “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”.
Uma das redações que ganharam a nota mínima no exame pedia que o governo banisse “outras crenças quem não sejam referentes à Bíblia”, já outra pedia que “o Estado paralisasse “as superexposições de crenças e proibir as manifestações religiosas ao público”.
Miguel Nagib, fundador e presidente da Associação Escola Sem Partido, reforça a ideia da página oficial do movimento. Para ele, “o Enem não exige dos candidatos nem dos corretores qualquer conhecimento sobre a legislação brasileira relativa aos direitos humanos”. “Todos os estudantes aprendem que respeitar os direitos humanos significa respeitar o politicamente correto, não parecer intolerante, radical, incivilizado, polêmico, preconceituoso, racista, sexista, machista, homofóbico etc. Para o Enem, o respeito aos direitos humanos se materializam na sujeição dos candidatos à ditadura do politicamente correto”, afirmou.
Na cartilha de redação do Enem divulgada pelo Inep neste ano, a instituição detalhou pela primeira vez o que seria exigido a respeito do assunto. Nas edições anteriores, apenas exemplos de redações zeradas eram apresentados. “Determinadas ideias e ações serão sempre avaliadas como contrárias aos direitos humanos, tais como defesa de tortura, mutilação, execução sumária e qualquer forma de ‘justiça com as próprias mãos’, isto é, sem a intervenção de instituições sociais devidamente autorizadas; incitação a qualquer tipo de violência motivada por questões de raça, etnia, gênero, credo, condição física, origem geográfica ou socioeconômica; explicitação de qualquer forma de discurso de ódio.”
O magistrado do TRF1 baseou a decisão de suspender a regra do exame em dois pontos. O primeiro é “a ofensa à garantia constitucional de liberdade de manifestação de pensamento e opinião” e a segunda, “a ausência de um referencial objetivo no edital, que priva do direito de ingresso em universidade de acordo com a capacidade intelectual mostrada”.
Para Matozo, há diferença entre liberdade de expressão e incitação ao ódio. “Infelizmente o que aparece nessas redações é a incitação ao ódio. Quando você impõe o que pensa, você incita o ódio ao outro. É daí que surgem redações baseadas no ‘olho por olho, dente por dente’.”
Segundo Nagib, no entanto, ninguém é obrigado “a dizer o que não pensa apenas para entrar numa universidade”. Segundo ele, o próprio Enem está “ferindo” os direitos humanos. “Ao prever a atribuição de nota zero às redações que ‘desrespeitarem os direitos humanos’, o edital do Enem está desrespeitando os direitos humanos dos estudantes, uma vez que a liberdade de consciência e de crença e o direito à livre manifestação do pensamento são direitos humanos.”
A regra suspensa pelo TRF-1 está no edital do exame desde 2013. Cabe recurso à decisão do tribunal. O Enem será aplicado nos dias 5 e 12 de novembro.
Todos os estudantes aprendem que respeitar os direitos humanos significa respeitar o politicamente correto”