A mãe de todas as liberdades
Em seu novo romance, “A Noite da Espera”, Milton Hatoum aborda as forças sombrias presentes tanto nos movimentos coletivos quanto nos individuais
to em que sua mãe se apaixona por outro homem e abandona a família. Martim é impelido a morar sozinho com o pai, que foge para Brasília na tentativa de afugentar a traição da esposa.
Na recém inaugurada capital do país, Martim passa a cursar o ensino médio no campus da Universidade de Brasília. Perambulando pelo campus, e pela cidade, conhece um grupo de jovens carregados de vivacidade, interessados em literatura, cinema, teatro e filosofia. E claro, convivendo em conflito com a repressão do governo militar instaurado após o golpe de 1964.
A questão reside no fato de Martim, apesar de entrar de cabeça na arte e as manifestações estudantis, ser considerado ingênuo pelos amigos da turma. Em alguns momentos demonstra covardia, em outros apatia, em outros está próximo de um desertor. Apesar de estar presente na luta pela liberdade, não entra de cabeça na batalha contra a opressão. É mais um observador ao acaso do que um sujeito imperativo e combatente.
“A Noite da Espera” é o primeiro volume da série “O Lugar Mais Sombrio”, trilogia idealizada por Milton Hatoum tendo como tema o período da ditadura militar e suas implicações na vida cotidiana das pessoas. O segundo volume, ainda sem título, está previsto para ser lançado em 2018, o terceiro em 2019.
Apesar do constante clima de medo presente na narrativa, há um elemento que confere ao romance algo diferenciado. A trajetória de formação humana e cultural de Martim, no cotidiano de um estado repressivo, caminha paralelamente a uma determinante carência materna.
A falta da presença mãe está presente em todos seus atos íntimos ou coletivos. E o personagem não sente apenas a falta simbólica da mãe. Sente a ausência física, corporal. A repentina ruptura com a mãe e a inadequação em relação ao pai, cria uma fissura psicológica em seu relacionamento com o mundo.
Milton Hatoum desenvolve uma história onde a experiência individual e a experiência de grupo buscam um pon- to de intimidade, de fusão. Mas isso nem sempre acontece. E o que fica está muito mais próximo da busca pela liberdade do que da batalha pelo poder.