Compra de silêncio foi ‘forjada’ para derrubar Temer, diz Cunha
Em depoimento à Justiça Federal de Brasília, ex-presidente da Câmara negou todas as acusações de recebimento de propina feitas pelo MPF e pelos delatores
O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) negou nessa segunda (6) que seu silêncio tenha sido “comprado” para evitar que fizesse delação e implicasse o presidente Michel Temer. Em depoimento prestado ao juiz Vallisney Oliveira, da 10ª Vara Federal, onde o ex-deputado é réu em uma ação penal sobre desvios no fundo de investimentos do FGTS, administrado pela Caixa, ele disse que a suposta trama - levantada na colaboração do empresário Joesley Batista, da JBS - foi montada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) para provocar a queda do presidente.
A acusação embasou a segunda denúncia ajuizada pelo ex-procurador geral da República Rodrigo Janot contra Temer. A Câmara negou prosseguimento à ação.
“Queriam atribuir isso para justificar uma denúncia que pegasse o mandato do senhor Michel Temer. Prova forjada, deram uma forjada e o senhor Joesley foi o cúmplice dessa forjada. Ele está pagando por isso o preço agora”, declarou Cunha, referindo-se ao pedido de rescisão da delação do empresário por suspeitas de que tenha omitido informações dos investigadores.
Cunha alegou que o MPF (Ministério Público Federal) não lhe havia proposto uma colaboração. “Ele [Joesley] construiu a retórica de que o senhor Michel Temer era complacente com a compra do silêncio para eu não delatar”, comentou.
Cunha foi interrogado na ação em que é réu por suposto envolvimento em esquema de corrupção na Caixa. Também são acusados o corretor Lúcio Funaro e o ex-vice-presidente da Caixa Fábio Cleto, ambos delatores do caso, além do ex-ministro e ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
PERÍCIA manuscrito é seu.
“Vossa Excelência faça a perícia e comprove que é minha a letra”, disse, dirigindo-se ao procurador Anselmo Lopes, que o inquiria. “Vamos representar à PGR [ProcuradoriaGeral da República] para fazer reexame na delação do senhor Lúcio Funaro.”
RELAÇÃO COM FUNARO
O ex-deputado negou todas as acusações de recebimento de propina feitas pelo MPF e pelos colaboradores. Disse que sua defesa vai pedir perícia de planilhas apresentadas por Funaro, nas quais constariam os pagamentos ilícitos feitos a ele.
Para confrontar Cunha, o corretor mostrou uma dessas planilhas durante a audiência. No papel, constaria uma anotação feita pelo ex-deputado. Ele, no entanto, afirmou que não queria “nem olhar” o documento para dizer se o
Cunha disse ainda que o doleiro Lúcio Funaro, com quem mantinha negócios, soube antecipadamente da Operação Catilinárias, da Polícia Federal, e retirou joias e obras de arte de sua casa para evitar a apreensão.
O ex-deputado afirmou que, em 2015, foi avisado por Funaro para que não enviasse nenhuma mensagem para ele, tendo em vista que estava sendo monitorado pela PF.
“O Lúcio sabia da busca e apreensão no dia 15 de dezembro. Tanto que ele retirou as obras de arte, as joias”, declarou o ex-deputado.
O peemedebista explicou que, em vez de vasculhar a casa do corretor, os policiais foram ao endereço do pai dele.
Cunha descreveu sua relação com Funaro, que remontaria a 2003, quando os dois começaram a operar conjun- tamente no mercado financeiro. Ele contou que os dois chegaram a lucrar até com o primeiro escândalo do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a partir de informação prévia sobre a denúncia.
Em 2004, Waldomiro Diniz, então assessor do ministro da Casa Civil, José Dirceu, foi exonerado por suspeitas de que recebera propinas de bicheiros para bancar campanhas do PT.
O ex-deputado relatou ter recebido informações de que o caso sairia na imprensa e acionou Funaro para que negociasse ações. “Quando saiu aquela denúncia, eu soube na véspera que a denúncia ia sair. No outro dia, a Bolsa despencou . A gente teve um lucro extraordinário”, contou Cunha, sem dar detalhes de como os dados lhe chegaram.
MOREIRA FRANCO
Eduardo Cunha disse também que marcou uma audiência em 2010 entre Lúcio Funaro e o ministro Moreira Franco, à época vice-presidente da Caixa, mas que, diferentemente do que Funaro delatou, ele não recebeu propina por essa intermediação.
Cunha também disse que Funaro não esteve com o presidente Michel Temer nas três ocasiões que o operador mencionou em seus depoimentos - num culto evangélico, num comício em Uberaba (MG) e na base aérea de São Paulo.
Em sua delação, Funaro disse que teve uma reunião com Moreira Franco na Caixa, intermediada por Cunha, para tratar de assuntos de interesse do grupo Bertin.
“Se Moreira Franco recebeu [propina], e se tratando do Moreira Franco até não duvido, não foi através das minhas mãos”, disse Cunha.
Cunha disse que não participou da reunião entre Funaro e Moreira Franco e não sabe o que foi conversado. Confirmou também que recebeu doações oficiais do grupo Bertin na campanha de 2010, mas que elas não tinham relação com negócios na Caixa ou com o agendamento da reunião. “Marcar uma audiência não significa que sou partícipe do fato”, disse Cunha.
Sobre as três ocasiões que Funaro relatou ter estado com Temer - à época vicepresidente -, Cunha disse que o delator mente.
Cunha afirmou que a última vez que esteve com Funaro, com quem admitiu fazer operações financeiras desde 2003, foi em 7 de novembro de 2015, quase um mês antes de a Polícia Federal fazer uma busca e apreensão na casa do operador.
Tanto Cunha como Funaro estão presos atualmente na Papuda, em Brasília.