BOCA LIVRE
Em denúncia apresentada à Justiça contra 32 investigados, procuradora responsabiliza Ministério da Cultura por desvios de R$ 21 milhões
Denúncia do MPF contra 32 investigados aponta para 20 anos de “omissões” e desvios de R$ 21 milhões no Ministério da Cultura
Na denúncia que levou à Justiça Federal contra 32 investigados da Operação Boca Livre - investigação sobre fraudes e desvios de R$ 21 milhões via Lei Rouanet - a Procuradoria aponta vinte anos de “omissões e desídias” do Ministério da Cultura. “Foram quase duas décadas repletas de aprovações, pelo MinC, de projetos culturais irregulares, marcadas pela ausência de análise da correspondente prestação de contas e da devida e aprofundada fiscalização, em especial, no que toca aos projetos do Grupo Bellini Cultural, cujas prestações de contas, na sua quase totalidade, não restaram concluídas”, assinala a procuradora Karen Louise Kahn, do Ministério Público Federal de São Paulo.
Segundo a Procuradoria, uma organização criminosa se formou no Grupo Bellini para a prática de estelionatos contra a União e falsidade ideológica. Empresas tradicionais se valeram, na condição de patrocinadoras, de parcerias com o Grupo Bellini para alcançar generosos incentivos fiscais.
A Procuradoria dedica um capítulo inteiro ao Ministério da Cultura. “Da omissão na fiscalização pelo Ministério da Cultura e da continuidade delitiva na execução de projetos fraudulentos.”
A denúncia de Karen insere-se em “um contexto de desvirtuamento dos objetivos da Lei Rouanet, os quais, inobstante a regular captação de recursos instituída para a promoção de projetos culturais em nível nacional, deixaram de ser atingidos por conta dos desvios de recursos públicos promovidos por parte dos denunciados, especialmente, a partir dos falsos registros de pagamentos e da pactuação, entre eles, de contrapartidas ilícitas, dentre outras fraudes detectadas”.
“Incumbe ao Ministério da Cultura, dentre outras atribuições, a aprovação e fiscalização de projetos culturais, dispensando às empresas patrocinadoras o chamado ‘Incentivo Fiscal’, previsto na Lei Rouanet”, destaca a denúncia de 167 páginas. “No presente caso, porém, foi verificada grave omissão do Ministério da Cultura na efetiva fiscalização dos projetos culturais (Pronacs, Programa Nacional de Apoio à Cultura), no bojo dos quais foram detectadas as fraudes denunciadas.”
A Procuradoria assinala que já em 2011, o Ministério da Cultura “fora fiscalizado pelo Tribunal de Contas da União, que identificou um passivo de 87,94% de Pronacs propostos desde 1992, sem a conclusão da correspondente prestação de contas, e que demandaria cerca de 19 anos para ser efetivada”.
Karen Kahn ressalta que, em 2013, foi constituída uma força-tarefa para a análise das prestações de contas pendentes. Dentro deste escopo, o Ministério da Cultura fiscalizou 24 projetos do Grupo Bellini Cultural, apresentados no período de 1990 a abril de 2011, “havendo detectado indícios de falsificações nos documentos de comprovação de despesas”. “Somente a partir de tais constatações, que o MinC decidiu por comunicar as diversas irregularidades à Controladoria-Geral da União, solicitando apuração.”
Segundo a denúncia, um dos acusados, Felipe Vaz Amorim, do Grupo Bellini, indicou a ausência de fiscalização do Ministério da Cultura, em seu depoimento prestado à Polícia Federal. “Somente depois que o MinC recebeu uma denúncia envolvendo o Grupo Bellini é que começaram a ocorrer análise nas prestações de contas”, disse Amorim.
A procuradora Karen Kahn é enfática. “Foram quase duas décadas repletas de aprovações, pelo MinC, de projetos culturais irregulares, marcadas pela ausência de análise da correspondente prestação de contas e da devida e aprofundada fiscalização, em especial, no que toca aos projetos do Grupo Bellini Cultural, cujas prestações de contas, na sua quase totalidade, não restaram concluídas.”
Segundo a denúncia, a Operação Boca Livre apurou o descumprimento de diversos procedimentos legais que visavam evitar a utilização indevida de recursos públicos, como: a) o princípio da não concentração por segmento e por beneficiário, previsto no artigo 19, parágrafo 8º da Lei 8.313/91; b) a não fiscalização dos projetos durante sua execução, em descumprimento ao artigo 20, caput, da Lei 8313/9113; c) a avaliação final totalmente extemporânea, em dissonância ao disposto no artigo 20, parágrafo 1º da Lei 8.313/91.
Foi verificada grave omissão do Ministério da Cultura na efetiva fiscalização dos projetos culturais, no bojo dos quais foram detectadas as fraudes denunciadas” OUTRO LADO
Por meio de nota, o Ministério da Cultura informou que “iniciou investigação interna deste caso em 2011, a partir de denúncia recebida pelo Ministério Público. As irregularidades identificadas nos projetos do Grupo Bellini foram informadas ao Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União em 2013, e resultaram na Operação Boca Livre, deflagrada pela Polícia Federal em 2016”. O Minc garantiu ainda que “inabilitou as empresas identificadas, que não tiveram mais nenhum projeto admitido” e que seus técnicos “descobriram que a organização criminosa desenvolveu novas estratégias: passou a operar com outras empresas, com outro CNPJ”, e também “as inabilitou e comunicou ao Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União”. Por fim, o Minc esclareceu que não repassa recursos públicos de seu orçamento para realização de projetos culturais via Lei Rouanet, apenas analisa os requisitos objetivos e aprovar os projetos culturais apresentados” e que tais “projetos são apoiados financeiramente por pessoas físicas ou jurídicas”.
O Grupo Bellini não retornou o contato da reportagem.