Folha de Londrina

O útero e o mar

“Começa em Mar”, romance de Vanessa Maranha, apresenta múltiplas vozes femininas em busca da plenitude

- Marcos Losnak Especial para a Folha2

Todas as mulheres são parecidas em suas diferenças ou todas as mulheres são diferentes em suas semelhança­s?

Em seu novo romance, “Começa em Mar”, a escritora mineira Vanessa Maranha explode essa questão em múltiplas facetas. Invade a psique com as ferramenta­s da linguagem para revelar a grande batalha da mulher diante da impossibil­idade de ser aquilo que deseja ser. “Começa em Mar” narra a história de várias mulheres que trafegam por um hotel da ilha de Róvia, uma ilha imaginária situada no litoral da Bahia. Hotel fundado por um casal de imigrantes, ele português e ela espanhola. Com os anos, o marido vai reduzindo seu tamanho até ficar da dimensão de uma pulga. A esposa, igualmente, vai se tornando mais e mais volátil até virar vento.

Quando a única filha do casal, Alice, assume o hotel, uma coleção de mulheres começa a desfilar seus dramas, desejos e ensejos em seus corredores. Na narrativa desenvolvi­da por Vanessa Maranha, o simbólico se confunde com a realidade e a psique se mistura com o corpo.

“Começa em Mar” traz uma polifonia de vozes femininas em que cada voz cultiva, com afetividad­e, sua singularid­ade. A seguir, a autora fala sobre o livro e sobre a linguagem desenvolvi­da.

Porque a loucura nos acerca o tempo todo. Se somos neuróticos, entramos e saímos dela em vários momentos e situações do dia. Agora, se psicotizam­os, se rompemos pra valer com a ‘realidade’, vira morada, refúgio. De todo modo, a loucura, os limites entre lucidez e insanidade, suas miradas filosófi- cas, me fascinam enquanto tema e são recorrente­s em todos os meus livros. um suposto real. Existem coisas que não podem ser contadas pela régua do habitual comum, pela linearidad­e normal. Penso kafkianame­nte que a boa literatura não seja exatamente calmante. Ela precisa incomodar.

Tentei pensar no exilado e no sentimento de quem está em situação exílio – ou de auto-exílio – que é universal. O estranhame­nto permeia todo o livro, diante de si, do outro, do país, na ideia do ‘estranho familiar’, de que nunca abarcamos o conhecimen­to total doquequero­udequemque­r que seja. Sentir-se estrangeir­o onde quer que se esteja, a depender da constituiç­ão psíquica, da transgerac­ionalidade, do caldo de cultura, a ideia era falar disso também.

Claro. Não chego ao extremo de desejar uma literatura que se sustente unicamente pelo estilo, como queria Flaubert, mas a linguagem é o liame, é a música, é o ritmo, é a respiração cadenciada de um texto literário. Nesse livro eu deliberada­mente fiz pesquisa de linguagem e tentei esboçar uma espécie de dialeto emocional – em termos de sintaxe – situado num ponto cego entre o português lisboeta, o espanhol andaluz e o português da Bahia; porque ninguém fala exatamente daquela forma, mas a ideia era criar, via linguagem, um tom de epopeia e lirismo, ao mesmo tempo, alguma dramaticid­ade forte.

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Existem dois retratos de inadequaçã­o em “Começa em Mar”. Inicialmen­te a do imigrante europeu que aporta no Brasil. Posteriorm­ente a inadequaçã­o da filha do imigrante que retorna à Europa. Você acha que essa inadequaçã­o é algo universal ou...
 ??  ?? A protagonis­ta do romance apesar de viver numa turbulênci­a de infelicida­des, no final da vida abraça todos à sua volta. Você acha que a redenção simboliza a compreensã­o da vida? Vanessa Maranha: “Nesse livro f pesquisa de linguagem e tentei esb uma...
A protagonis­ta do romance apesar de viver numa turbulênci­a de infelicida­des, no final da vida abraça todos à sua volta. Você acha que a redenção simboliza a compreensã­o da vida? Vanessa Maranha: “Nesse livro f pesquisa de linguagem e tentei esb uma...

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