O útero e o mar
“Começa em Mar”, romance de Vanessa Maranha, apresenta múltiplas vozes femininas em busca da plenitude
Todas as mulheres são parecidas em suas diferenças ou todas as mulheres são diferentes em suas semelhanças?
Em seu novo romance, “Começa em Mar”, a escritora mineira Vanessa Maranha explode essa questão em múltiplas facetas. Invade a psique com as ferramentas da linguagem para revelar a grande batalha da mulher diante da impossibilidade de ser aquilo que deseja ser. “Começa em Mar” narra a história de várias mulheres que trafegam por um hotel da ilha de Róvia, uma ilha imaginária situada no litoral da Bahia. Hotel fundado por um casal de imigrantes, ele português e ela espanhola. Com os anos, o marido vai reduzindo seu tamanho até ficar da dimensão de uma pulga. A esposa, igualmente, vai se tornando mais e mais volátil até virar vento.
Quando a única filha do casal, Alice, assume o hotel, uma coleção de mulheres começa a desfilar seus dramas, desejos e ensejos em seus corredores. Na narrativa desenvolvida por Vanessa Maranha, o simbólico se confunde com a realidade e a psique se mistura com o corpo.
“Começa em Mar” traz uma polifonia de vozes femininas em que cada voz cultiva, com afetividade, sua singularidade. A seguir, a autora fala sobre o livro e sobre a linguagem desenvolvida.
Porque a loucura nos acerca o tempo todo. Se somos neuróticos, entramos e saímos dela em vários momentos e situações do dia. Agora, se psicotizamos, se rompemos pra valer com a ‘realidade’, vira morada, refúgio. De todo modo, a loucura, os limites entre lucidez e insanidade, suas miradas filosófi- cas, me fascinam enquanto tema e são recorrentes em todos os meus livros. um suposto real. Existem coisas que não podem ser contadas pela régua do habitual comum, pela linearidade normal. Penso kafkianamente que a boa literatura não seja exatamente calmante. Ela precisa incomodar.
Tentei pensar no exilado e no sentimento de quem está em situação exílio – ou de auto-exílio – que é universal. O estranhamento permeia todo o livro, diante de si, do outro, do país, na ideia do ‘estranho familiar’, de que nunca abarcamos o conhecimento total doquequeroudequemquer que seja. Sentir-se estrangeiro onde quer que se esteja, a depender da constituição psíquica, da transgeracionalidade, do caldo de cultura, a ideia era falar disso também.
Claro. Não chego ao extremo de desejar uma literatura que se sustente unicamente pelo estilo, como queria Flaubert, mas a linguagem é o liame, é a música, é o ritmo, é a respiração cadenciada de um texto literário. Nesse livro eu deliberadamente fiz pesquisa de linguagem e tentei esboçar uma espécie de dialeto emocional – em termos de sintaxe – situado num ponto cego entre o português lisboeta, o espanhol andaluz e o português da Bahia; porque ninguém fala exatamente daquela forma, mas a ideia era criar, via linguagem, um tom de epopeia e lirismo, ao mesmo tempo, alguma dramaticidade forte.