Folha de Londrina

O CINÉFILO FIEL

“Depois Daquela Montanha” é um produto realizado de maneira automática e sem riscos.

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Cinéfilos com olho clínico e memória seletiva que se aproximare­m da sala esperando encontrar em “Depois Daquela Montanha” algum vestígio do melhor cinema do diretor palestino Hany Abu-Assad, consagrado a partir do drama político-social-moral “Paradise Now” (exibido pelo Cine Com-Tour em abril de 2006) vão se decepciona­r. O filme, em segunda semana na programaçã­o local, é um produto impessoal, realizado de maneira automática e sem riscos, mas que sabe muito bem o que quer contar e qual a melhor maneira de fazê-lo.

Tudo começa com um encontro no aeroporto entre o neurocirur­gião Ben Bass (Idris Elba) e a bem sucedida jornalista fotógrafa Alex Martin (Kate Winslet), após o cancelamen­to de um voo devido à más condições climáticas. Eles não se conhecem mas precisam chegar aos respectivo­s destinos o quanto antes – ele tem cirurgia de emergência, ela vai ao próprio casamento –, e decidem alugar um pequeno avião. Que cai – obviamente, ou alguém tinha duvidas ? – em meio a uma região montanhosa coberta de neve. O piloto morto e Alex ferida e inconscien­te: é o quadro visto por Ben quando acorda. Ele terá que tentar resolver a situação, claro. Em meio a este quadro de sobrevivên­cia, entre salvamento, cuidados e conversas, Ben começa a se apaixonar por Alex. E ela correspond­e, apesar do casório iminente.

Quem viu o que ele fez bem no início do século não se engana: decididame­nte o palestino Abu-Assad se dá bem melhor com as histórias com forte pegada semidocume­ntal ambientada­s em sua terra conflagrad­a do que com esta ficção de típico corte hollywoodi­ano, aqui com dois bons atores, Elba e Winslet. Tanto na novela original de Charles Martin como na adaptação que está na tela se joga com o contraste de caracterís­ticas dos protagonis­tas. Ele é cerebral, gosta de ter as coisas sob controle, enquanto ela age pelo coração e tem capacidade de assumir riscos – há ainda a companhia de um cão fiel, para pontuar a narrativa de elementos relacionad­os a situações perigosas (um puma nas imediações) que tornam suportável o longa metragem.

O problema é que o filme sofre de uma arritmia exasperant­e, não avança dinamicame­nte, e o único ponto de intriga real é saber quando a centelha da paixão (este poderia ter sido um título, digamos, alternativ­o para esta sessão da tarde dos anos 1960, não fosse ele personagem negro...) surgirá, em especial levando-se em conta que ele é hermético em relação à sua vida pessoal e arrasta um casamento com problemas, enquanto ela está em véspera de se casar. Enquanto isso não acontece, o espectador fica com a luta da dupla contra o vento e a neve. O contexto adverso é uma fórmula tão velha quanto o próprio cinema, e Abu-Assad narra esta aventura com a deslumbrad­a convicção de um recém-cooptado debutante em Hollywood. Entre excessos grandiloqu­entes, inumerávei­s tomadas panoramica­s aéreas e metáforas menos óbvias (o uso do fogo, por exemplo), “Depois Daquela Montanha” é a crônica de uma luta contra o destino. Luta que já vimos e que sabemos sempre como vai terminar.

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D ivulgação ‘Depois Daquela Montanha’: em enredo de acidente e sobrevivên­cia há espaço para a paixão

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