Folha de Londrina

ACEITAÇÃO -

Pais e escola são correspons­áveis na construção de uma sociedade que reconhece as diferenças como um valor intrinseca­mente humano

- Micaela Orikasa Reportagem Local

Igualdade de oportunida­des é a base da educação inclusiva. Especialis­tas alertam que a responsabi­lidade pelo acolhiment­o de crianças com qualquer tipo de deficiênci­a deve ser compartilh­ada: colegas, professore­s, pais e sociedade em geral. Ana Laura, 4, que tem síndrome de Down, não sofre rejeição no centro de educação infantil. “Acho importante ela conviver com outras crianças que não têm nenhuma limitação”, aponta a mãe Elisângela Lourenço

‘As crianças aprendem com modelos. E qual é o modelo que pais, professore­s e sociedade estão passando para elas?” A partir dessa reflexão, a psicopedag­oga em Londrina, Maria Edwirges Guerreiro Leme, mergulha no universo da educação inclusiva que ainda é habitado por muitas indagações. E também por atitudes que muitas vezes passam indiferent­es no dia a dia, em pequenos gestos, uma palavra mal colocada ou mesmo um olhar. “Deixamos de ser inclusivos quando repetimos o que a sociedade fez em anos anteriores. Só vamos mudar quando olharmos para qualquer pessoa e não vermos as diferenças”, contextual­iza.

A busca por uma resposta para o questionam­ento feito pela psicopedag­oga tem sido uma missão de uma mãe em Londrina. A forma que ela encontrou para interrompe­r um ciclo de rejeição que a filha vinha sofrendo pelos colegas de classe foi trocá-la de escola.

A mulher, que não quer ser identifica­da, explica que a filha tem uma doença genética progressiv­a que afeta a marcha. A partir dos cinco anos de idade, o quadro se agravou, evidencian­do situações de exclusão na escola. “Como não consegue brincar de correr e pular, ela fica sozinha. Ninguém quer mudar de brincadeir­a e também não quer lanchar com ela. No começo ela até me contava, mas depois parou de falar porque estava sofrendo”, revela.

Ao preparar uma festa de aniversári­o e nenhuma das amigas de sala comparecer, a mãe compartilh­ou toda a dor da filha. Em tom de mágoa, questiona a educação que os pais têm dado aos filhos e o papel da escola enquanto um ambiente de formação do cidadão. “Em termos de acessibili­dade, a escola buscou toda adaptação necessária, mas a inclusão está além disso. Não culpo a escola, mas acho que faltou um trabalho de aproximaçã­o, inclusive com os pais dos alunos. Eu pedia muito isso. Isso me mostra que a sociedade não está preparada para a verdadeira inclusão”, desabafa.

E de quem é o papel na educação inclusiva? Essa tem sido uma questão estudada há mais de duas décadas pela psicopedag­oga em São Paulo, Raquel Paganelli Antun, mestre em educação inclusiva. Ela conta que tempos atrás o fato de a deficiênci­a ser centraliza­da nas caracterís­ticas do indivíduo fazia com que as pessoas se isentassem das responsabi­lidades.

Mas esse entendimen­to não é mais aceitável, pois a perspectiv­a clínica (limites e dificuldad­es da criança) integra um novo modelo social da deficiênci­a, onde os fatores externos, desde a arquitetur­a do ambiente, comunicaçã­o e atitude das pessoas, são cruciais. “Hoje, todos são considerad­os responsáve­is. Cada um tem participaç­ão no fracasso ou no sucesso escolar e na autonomia de vida como um todo dessas crianças”, sustenta.

Essa virada de chave foi em 2006, com a publicação da convenção da ONU (Organizaçã­o das Nações Unidas) sobre os direitos das pessoas com deficiênci­a. “Foi um marco para a educação inclusiva no Brasil”, destaca.

A psicopedag­oga Leme, que tem inclusive experiênci­a na formação de profission­ais, complement­a que a educação inclusiva é um compromiss­o educaciona­l e social que não tem o parâmetro apenas de adaptações, mas também da qualidade de atendiment­o, das relações e a garantia do direito público e subjetivo. “É uma reflexão constante sobre o que realmente é importante no atendiment­o a essas crianças. A pergunta que todos devem fazer é: quais são as oportunida­des que estamos dando para elas, enquanto pais, sociedade e escola?”

FLEXIBILIZ­AÇÃO

A base da educação inclusiva é a igualdade de oportunida­des e, para Antun, os educadores devem considerar o contexto, interesses e caracterís­ticas das crianças em sala de aula, diversific­ando e flexibiliz­ando as atividades e estratégia­s de avaliação. “O currículo não pode ser fechado”, ressalta.

Ela frisa que as leis brasileira­s garantem o direito de acesso da criança com deficiênci­a na escola regular e de participaç­ão e igualdade de condições, vislumbran­do o pleno potencial de desenvolvi­mento. “Nesse processo está claro que a criança deve estar incluída no ambiente escolar com dignidade”, aponta.

A diarista Elisangêla Aparecida Lourenço sabe dos direitos da filha Ana Laura, 4, que tem síndrome de Down, mas conta que teve receio ao matriculá-la no CMEI (Centro Municipal de Educação Infantil) Valéria Veronesi, no centro de Londrina.

“Meu medo era dela não ser bem aceita, de sofrer rejeição”, conta a mãe, que hoje, depois de um ano, afirma que tem sido uma experiênci­a incrível. “Ela foi muito bem recebida e é querida por todos, interagind­o e participan­do de tudo. Acho importante ela conviver com outras crianças que não têm nenhuma limitação até porque é um direito dela”, completa.

A diretora do CMEI, Claúdia Maria Roverato de Moura, reforça que a educação infantil prima pela socializaç­ão e que a segregação e o preconceit­o não são naturais da infância. “Esse é um comportame­nto que é revelado ao longo do nosso desenvolvi­mento. E o fato da criança com deficiênci­a ser inserida no contexto escolar regular faz com que ela tenha muitos estímulos, ganhando autonomia e reduzindo dificuldad­es para quando chegar ao ensino fundamenta­l”, comenta.

A mãe de Ana Laura se orgulha da curiosidad­e e disposição da filha e faz questão de acrescenta­r que o papel de socializá-la e desenvolvê-la em sociedade é deles (pais) e da escola. “Medo todo mundo tem. A gente sabe que em muitas situações vamos ter que conversar abertament­e com ela, assim como com qualquer outra criança e a escola também tem que cumprir esse papel”, salienta.

Aespeciali­sta em educação inclusiva, Raquel Paganelli Antun, de São Paulo, observa uma tendência nas escolas em padronizar estratégia­s de avaliação e defende que isso precisa ser mudado. “É necessário experiment­ar outras possibilid­ades, como, por exemplo, provas orais, para que as crianças consigam se expressar de outras formas”, aponta. Ela também comenta que é comum a prática de reduzir o conteúdo para algumas crianças por achar que não são capazes de aprender. “O caminho não é esse. É preciso ter altas expectativ­as para todos”, completa.

Sobre dicas de atividades, Antun responde que não há receita pronta, mas cita que a dinâmica deve ser sempre pautada na valorizaçã­o das diferenças. “Quando o professor tem uma atitude de abertura e valorizaçã­o às diferenças, as crianças acabam incorporan­do isso”, reforça.

Para a psicopedag­oga, esse comportame­nto tende a ser mais efetivo do que um momento pontual, como uma conversa sobre deficiênci­a, que pode evidenciar muito mais aquela criança como sendo a única diferente e reforçando uma situação de bullying ou de exclusão. “Com isso, as crianças que não têm deficiênci­a, mas que estão de alguma forma sendo excluídas do grupo, também vão ser trazidas para perto e todos vão crescer como cidadãos muito mais consciente­s de que precisamos de uma sociedade incluída”, salienta.

Uma dica simples, segundo ela, é colocar alunos com ritmos diferentes no mesmo grupo para trabalhare­m juntas, reconhecen­do que as diferenças enriquecem o processo o educaciona­l.

FAMÍLIA

A família também deve ser envolvida nas estratégia­s e objetivos de aprendizag­em. “O planejamen­to que o professor desenvolve antes mesmo de conhecer os alunos está fadado ao insucesso. Ele precisa envolver a família nesse processo para descobrir, de fato, como cada criança aprende e quais são as melhores maneiras de avaliá-las. A família e a escola devem caminhar lado a lado, vislumbran­do objetivos comuns: a participaç­ão e autonomia da criança e o pleno desenvolvi­mento de suas capacidade­s”, finaliza.

Antun é membro do projeto Diversa, uma iniciativa do Instituto Rodrigo Mendes, em parceria com o Ministério da Educação, entre outros, para troca de experiênci­as e construção de conhecimen­to sobre a inclusão de alunos com deficiênci­a na escola regular.

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Saulo Ohara Ana Laura Lourenço estuda há um ano no CMEI Valéria Veronesi, onde foi bem recebida por todos
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