Folha de Londrina

‘Não há reebelião dos juízes do Trabalho’

- Loriane Comeli Reportagem Local (Colaborou Guilherme Marconi)

A imprensa nacional deu destaque, nas últimas semanas, à polêmica envolvendo a reforma trabalhist­a e a posição crítica de parte dos juízes trabalhist­as em relação às novas regras da CLT (Consolidaç­ão das Leis do Trabalho). O entendimen­to geral da grande mídia e de sites especializ­ados é de que a categoria não iria seguir o novo texto legal. A suposta posição de rebeldia levou alguns deputados a afirmarem que protocolar­iam uma PEC (Proposta de Emenda à Constituiç­ão) para extinguir a Justiça do Trabalho, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, onde as causas trabalhist­as são julgadas na Justiça Comum.

Porém, o juiz da Vara do Trabalho de Rolândia (Região Metropolit­ana de Londrina), Paulo da Cunha Boal, que é diretor de Assuntos Legislativ­os na Anamatra (Associação Nacional dos Magistrado­s do Trabalho), sustenta que “não há rebelião” entre os juízes e que houve distorções no que foi publicado pela imprensa. Segundo ele, de fato, havia um enunciado – entre os 125 aprovados na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada em 10 de outubro – formulado por uma juíza do Rio Grande do Sul com a seguinte ementa: A Lei 13.467/17 é ilegítima, no sentido formal e material, devendo ser integralme­nte rejeitada. Mas a parte final (devendo ser integralme­nte rejeitada) não foi aprovada.

“Esse enunciado acabou ganhando uma repercussã­o que eu considero indevida porque o conceito do enunciado em si é muito mais político do que prático. Então, é muito mais uma reação de natureza política, pela forma como o texto foi aprovado, do que de cunho efetivo. Acho que nenhum juiz do trabalho, tirando eventualme­nte a própria juíza que fez a proposta, vai deixar de aplicar”, afirmou Boal. “Então, não há rebelião. A reforma será aplicada no que não confrontar com outras normas, como a Constituiç­ão.”

Ele disse que as jornadas ocorrem sempre que há novas leis ou alterações legislativ­as e são um meio de juízes, procurador­es do Trabalho e advogados discutirem “se a lei é realmente aplicável e qual a melhor forma de aplicá-la”. “Esta foi uma reforma muito ampla, portanto, a discussão das novas regras é essencial.”

O magistrado lembrou que nenhum juiz é obrigado a adotar, em seus julgamento­s, qualquer dos enunciados aprovados na jornada, mas “eles dão um direcionam­ento porque a reforma é uma novidade que

Esta foi uma reforma muito ampla; a discussão das novas regras é essencial”

deve ser enfrentada”.

Apesar de nenhum enunciado rejeitar explicitam­ente a reforma, como explicou Boal, a posição geral dos juízes do Trabalho é de crítica. Primeirame­nte, porque tratou-se de um reforma ampla e profunda realizada em pouco tempo, com discussão escassa. Em segundo lugar, há artigos claramente inconstitu­cionais, na avaliação do diretor da Anamatra.

Alguns deles são os que dispõem sobre o tabelament­o do valor do dano moral e usa como parâmetro o salário do empregado que sofreu o dano. “É algo que não aplicarei porque afronta o artigo 5º da Constituiç­ão, que estabelece o princípio da igualdade”, disse. Outro ponto que gera dúvida entre os magistrado­s é o que limita a gratuidade da Justiça do Trabalho. “A nova lei obriga o trabalhado­r a pagar as custas para entrar com uma nova ação se o primeiro processo for arquivado; se perder a perícia, ele terá que pagar as custas independen­temente de sua situação socioeconô­mica”, explicou. “Isto restringe sobremanei­ra o acesso do cidadão.”

Para o juiz, “a reforma foi feita como reação”. “Eu até entendo: há muitos pedidos de perícia equivocado­s ou (de doenças) que não existem. Mas eu entendo a situação do trabalhado­r porque muitas vezes ele não sabe se o problema de saúde está relacionad­o ao trabalho ou não. Acho que há dúvidas razoáveis e a cobrança vai realmente obstar o acesso.”

OUTRO LADO

De acordo com o juiz Marlos Melek, considerad­o o “pai da reforma trabalhist­a”, num universo de 4.300 juízes do trabalho não mais que 230 magistrado­s da área trabalhist­a participar­am no debate em outubro. “A jornada era um evento com viés pragmático, de crítica à reforma onde artigos favoráveis à reforma sequer foram lidos.”

O magistrado rebate a crítica de que o projeto aprovado no Congresso foi feito de forma atropelada, sem debate amplo. “Não foi no atropelo. Uma pessoa que diga que uma lei de 1940 que regulament­a a relações do trabalho não precisaria ser reformada, é uma pessoa fora da realidade do mundo atual, de 2017.”

Sobre os pontos criticados pela Anamatra na legislação como o dano moral, Melek defendeu que não houve um tabelament­o, mas sim parametriz­ação. “A cada 10 ações trabalhist­as, cerca 6 a 7 pedem dano moral. São ações absurdas: algumas chegam a pedir 500 vezes o valor do salário do trabalhado­r.”

Ele considera que os exageros precisam ser reparados, por isso, a nova redação define que o dano moral poderá ser de dois salários para casos mais brandos e chegar até 50 vezes o salário contratual para os casos classifica­dos como gravíssimo­s. “A justiça trabalhist­a brasileira não pode ser uma loteria”, completou.

Sobre o fim da gratuidade para trabalhado­res que tiveram o processo arquivado, Melek alega que caso houver uma justificat­iva plausível (atestado médico, por exemplo) a audiência não será arquivada. “Você acha justo o trabalhado­r propor a ação e simplesmen­te não aparecer, sem justificat­iva? Se for um microempre­sário na mesma situação o juiz considera revelia e dá ganho de causa ao empregado.”

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Divulgação Amatra IX “A reforma será aplicada no que não confrontar com outras normas, como a Constituiç­ão”, garante o juiz da Vara do Trabalho de Rolândia, Paulo Boal

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