Terra pelada
Quem lembra do maior garimpo a céu aberto do mundo, onde um formigueiro de gente procurava ouro? Serra Pelada parecia irreal assim como um dia provavelmente vai parecer irreal a nossa forma de explorar a terra. Durante o dia, as temperaturas queimam a terra. O vento assopra solto. As chuvas torrenciais levam a terra para os rios. A mecanização intensa da terra se justifica pelo aumento da população, mas a realidade mostra muito desperdício e falta de logística na distribuição de comida. As opções agrícolas são poucas. Sobra pouca palha depois das colheitas. O solo literalmente morre de fome. Somente material orgânico consegue devolver ao solo as propriedades físicas e químicas de forma adequada. Há muitos seres vivos na terra que não sobrevivem numa situação quase desértica. Dentro da agricultura, se cultivou um verdadeiro horror à vegetação nativa como mostrou a campanha da mudança do Código Florestal. Florestas nativas não remuneram. Fazer uma RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) é um demorado exercício burocrático que apenas beneficia, através do ICMS-Ecológico, um poder público pouco interessado na restauração ambiental. A letargia em prover melhorias ambientais significativas seria até uma forma de fazer muitos negócios com a essencial água que será disputada como o ouro em Serra Pelada. Por que chegamos a este ponto e por que não conseguimos, com tantos sinais claros, reagir? A forma futebolística de torcer cegamente para um ou outro time criou terríveis preconceitos. Questões históricas dividem e enfraquecem a sociedade. Terra ainda parece algo especulativo de se predar até onde dá para depois se iniciar num novo endereço, um novo garimpo. Mas as fronteiras agrícolas estão diminuindo. Ficou caro avançar sempre, caro combater tantas pragas e doenças, caro se manter na corrida tecnológica, caro dividir seus lucros com um gigantesco e invisível mercado de insumos. Os agricultores não têm costume de bater panelas e os tratoraços promovidos escondem muitas vezes algum interesse político ou econômico exclusivo. Assim como em Serra Pelada e tantos outros garimpos do mundo, a febre do ouro só cessa quando tudo tiver detonado e esgotado. Como em Serra Pelada sai gente lucrando, mas a maioria vive na ilusão e num grande sofrimento. Isso nos faz lembrar a história do rei Midas que tinha o dom, pelo toque, de transformar tudo em ouro. Uma hora o rei se arrependeu, pois ia morrer de fome. Cabe a nos fazer as contas, ver o que é essencial e olhar um pouco para os nossos antepassados, que tinham pouco, mas que em mutirões eram felizes. DANIEL STEIDLE (educador ambiental) - Rolândia