Folha de Londrina

A flor da minha primavera

Um dia aconteceu o milagre: a ipomoea soltou uma flor azul, delicadíss­ima tarefa de parir a beleza sem perfume

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Sei que as pessoas nos escolhem, assim como as escolhemos. Projetos em comum, o mesmo olhar sobre o mundo, nos aproximam por afinidades. Sei que os animais nos escolhem, assim como os escolhemos. Quem explica o cão que nos segue na rua pedindo casa? Quem explica o amor súbito pelo gatinho mais fraco da ninhada?

O que nunca tinha percebido é que as plantas também nos escolhem. Ou seria a natureza promovendo um acaso que se transforma em amor?

Na última semana, vi nascer na minha sala mais uma ipomoea. O nome é grego, como me disseram, mas como não sou poliglota, me apaixonei por suas pétalas e mergulhei no azul até certo ponto incomum nas flores. A ipomoea chegou ao meu apartament­o de forma misteriosa. Nunca a plantei, nunca deixei na terra nenhuma de suas sementes. Subitament­e, ela apareceu num vaso no banheiro e cresceu procurando agarrar-se aos azulejos, tarefa inútil pela textura lisa das paredes. Ali nunca deu flor, mas gostei das suas folhas em forma de coração. Um coração de clorofila, com pequenos veios, apegando-se aos azulejos para cair em seguida. Gostei demais de sua persistênc­ia.

Pensando em criar uma cortina viva, que barre o sol que diuturname­nte castiga a sala, plantei a ipomoea num vaso maior, reguei-a e, com a ajuda do meu filho, criei um suporte para que ela crescesse, no início, um simples galho recolhido na rua. A ipomoea agradecida tomou para si o suporte e só então entendi por que, popularmen­te, ela é chamada “corda de

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Ilustração: Marco Jacobsen

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