A língua dos aflitos
Manhã de domingo. A missa está chegando ao fim. Celebra-se na igreja a solenidade de Cristo Rei do Universo, que marca o fim do ano litúrgico. Enquanto soa a última canção da missa, alguns fiéis saem da igreja e caminham pela avenida, renovados pela Eucaristia. Então eu o vejo.
É um moço, com não mais de 30 anos. Anda trôpego pela calçada, trazendo nas mãos uma lata de cerveja. Quando me vê, esboça alguma coisa que não é precisamente um sorriso, podendo ser definida a contento como um esgar. Noto que seus lábios se movem para pronunciar uma palavra, quiçá uma frase. De fato, ele emite alguns sons. Mas são incompreensíveis, porque o rapaz fala o misterioso idioma dos bêbados.
Confesso que já fui fluente nessa língua. Em muitas manhãs de domingo, eu estive exatamente como esse moço estava, e até pior. Nunca me passaria pela cabeça ir à missa naqueles domingos de solidão e desespero. E, no entanto, Ele estava lá, a me esperar.
Poucos minutos antes de encontrar o moço cambaleante, eu estava lendo as Confissões de Santo Agostinho. Ele também viveu, na juventude, um período em que falou a língua dos que se afastaram de Deus. No ano de 370 da era cristã, Agostinho passou pela embriaguez dos sentidos e da alma. Mais tarde, já convertido, ele escreveria:
“Ai de mim! Como me atrevo a dizer que estáveis calado, quando continuamente me ia afastando de Vós! Guardáveis, porventura, silêncio diante de mim? De quem eram, senão de Vós, aquelas palavras que, por meio de minha mãe, vossa fiel serva, pronunciastes nos meus ouvidos? Nenhuma delas, porém, desceu ao meu coração, para cumprir o que ela me aconselhava. (...) Envergonhavame de seguir tais conselhos, por me parecerem só próprios de mulheres. Porém, eram vossos, e eu sem o