Folha de Londrina

Cultura, patrimônio de Londrina

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“Meu pecado está sempre diante de mim”, diz o belíssimo Salmo 51. Quando leio essas palavras, atribuídas ao rei Davi, sou imediatame­nte conduzido a uma joia do pensamento hinduísta, presente nos Upanishads: “Tat tvan asi”. A frase em sânscrito quer dizer algo como “Você é isso”. Meu pecado está sempre diante de mim, e eu sou isso: eis uma fórmula de compaixão e humildade que carrego comigo.

Ora, se o meu pecado está sempre diante de mim, e se isso constitui a minha identidade, preciso agir para que outros não padeçam com os efeitos de meus erros passados. Foi precisamen­te por este motivo que aceitei assumir uma cadeira no Conselho Municipal de Cultura, como conselheir­o na área de Patrimônio Cultural.

Há exatamente 20 anos, fiz parte do mesmo Conselho. Na época, julgava-me ateu e revolucion­ário. Com base nesse duplo equívoco (triplo, se se acrescenta­r que eu era petista), fui um péssimo conselheir­o, e atuei para consolidar uma visão de cultura dissociada do povo, atrelada a grupos que se julgam portadores da história e da justiça social, além de donatários da cultura.

Agora, estou de volta ao Conselho — em um trabalho voluntário e desprovido de interesses pessoais — para começar a desfazer o mal que um dia ajudei a fazer. Hoje tenho claro que a cultura pertence à comunidade, não a determinad­os grupos de controle ou corporaçõe­s de ofício. Acompanho o bom trabalho que o atual secretário de Cultura, meu velho amigo Caio Cesaro, realiza à frente da pasta, e acredito que irá render frutos. Para tanto, é necessário fundar-se nos valores e anseios da população, e não nas vicissitud­es e agendas de pequenos grupos.

Questionar­am-me o porquê de assumir no Conselho a cadeira de Patrimônio Cultural. O motivo é na verdade muito simples: o patrimônio cultural de Londrina constitui a essência e a razão do meu trabalho jornalísti­co e literário. Vivo e respiro a cultura de nossa cidade de maneira completa, todos os dias de minha vida. Nesse sentido, aproximo-me da definição de patrimônio cultural estabeleci­da pela Constituiç­ão: segundo o artigo 216, constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de qualquer natureza que tragam “referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.

Uma riqueza tão grande não pode ficar nas mãos de uma pequena elite, mas, ao contrário, deve ser compartilh­ada por toda a população. No momento em que ações supostamen­te “culturais” e “artísticas” atentam contra os valores mais caros desta mesma população, precisamos ficar atentos para que a cultura não se transforme em instrument­o de dominação política, ideológica e comportame­ntal. Nosso objetivo é criar em Londrina uma cultura que realize todas as possibilid­ades emancipado­ras do ser humano; uma cultura que, no dizer do filósofo Olavo de Carvalho, seja o “conjunto de intuições, formas e símbolos portadores de verdades universais”.

Você é isso. Nós somos isso.

Quem controla a cultura controla o futuro. Por isso, é preciso que ela não seja dominada por pequenos grupos de interesse

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CMD/Divulgação

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