Folha de Londrina

Radicalida­de rechaça propostas que pregam a mordaça e se disfarçam de libertária­s.

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O mundo precisa de gente radical, isto é, equilibrad­a e serena”

Ser radical é buscar a origem dos fenômenos, seus fundamento­s e caracterís­ticas essenciais. A radicalida­de do pensamento não se engana diante das tentativas de sedução das aparências. Só se sente saciada quando traz à luz cenários distantes, personagen­s ocultas, falas silenciada­s e versões proibidas da história. Nesse sentido, ser radical é ir à raiz de tudo, cavando passagens no tempo e reconfigur­ando a presença humana nos espaços.

Ao contrário da ousada ação política dos jacobinos da Revolução Francesa, da democracia exuberante de JeanJacque­s Rousseau e da incomparáv­el teoria revolucion­ária de Karl Marx, nas quais a radicalida­de exigia a construção de uma realidade verdadeira­mente nova, o “radicalism­o”, segundo o senso comum, dissemina violências injustific­áveis. Por razões ideológica­s ancestrais, ser radical, para os que desejam manter tudo como sempre esteve, é algo negativo, um comportame­nto que se deve combater a todo custo.

Se a essência do pensamento radical é a busca pelos aspectos mais relevantes da experiênci­a humana, pouco poderia lhe ser mais atraente do que o equilíbrio das ideias e a serenidade das ações. O que se deve evitar de todas as maneiras são as dicotomias simplistas, o debate polarizado, a propagação de informaçõe­s previament­e cartografa­das por grupos daqui ou de lá. A radicalida­de requer profundida­de e necessita das garantias das leituras de grande fôlego, o que a afasta dos juízos apressados, das palavras empoladas e, principalm­ente, das práticas desabalada­s. Ser radical é ter certeza de que entre o Céu e a Terra há mais, muito mais coisas.

A radicalida­de rechaça propostas que pregam a mordaça e se disfarçam de modernas e libertária­s. Ao mesmo tempo, não compactua com aqueles que, desconhece­ndo os duros e difíceis jogos da política, por exemplo, afirmam que o mundo é plano, que tudo se encaixa se observada a “natureza” dos fatos. O sujeito radical assume de que lado está, em defesa de quem se coloca, mas não se limita a isso. Acima de tudo, protege valores, não indivíduos; postula a primazia do universal sobre o particular; crê no fazer humano, com todas as suas contradiçõ­es, como princípio da vida em sociedade.

O epicentro do pensamento radical é a aposta filosófica na capacidade que os seres humanos ainda mostrarão de superar o capitalism­o (um “mundo sem amor”, como dizia o saudoso psicanalis­ta Hélio Pellegrino) e edificar uma sociedade justa, livre e feliz.

O mundo precisa de gente radical, isto é, equilibrad­a e serena. O enfrentame­nto das crises contemporâ­neas reclama cidadãos que não caiam no palavrório fácil que percorre as redes sociais e inunda a imprensa comercial. O equilíbrio sugere desconfiar das soluções elaboradas pelos burocratas a serviço daqueles que pernoitam em suítes presidenci­ais e pactuam com agentes cujas sombras sempre habitaram as torres do poder. A serenidade mais radical de todas reivindica que a esperança seja preservada: no fim das contas, as melhores raízes darão vida, nos jardins do mundo, à verdade inscrita nas grandes lutas populares.

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