Folha de Londrina

Redução da Escarpa Devoniana: retrocesso ambiental e social

- CARLOS HUGO ROCHA é agrônomo, professor da UEPG (Universida­de Estadual de Ponta Grossa), doutor em Gestão de Recursos Naturais pela Colorado State University (EUA) e membro da Rede de Especialis­tas em Conservaçã­o da Natureza

O Paraná nunca foi competente em gerenciar o seu patrimônio natural, como mostram os esparsos remanescen­tes de florestas com araucária ou peroba que dominavam o Estado antigament­e.

A paisagem natural dos Campos Gerais é magnífica, uma das mais belas paisagens do Brasil, reconhecid­a desde os tempos da colonizaçã­o regional e dotada de rico patrimônio arqueológi­co, histórico e cultural. Bem servida por estradas e com fácil acesso à capital, a região pode ser tornar uma das áreas mais visitadas do País. Esse potencial ainda é pouco explorado como gerador de recursos e empregos, em grande parte pela incompetên­cia de nossos administra­dores e legislador­es, que não conseguem conceber e criar condições necessária­s para que isso ocorra.

Nas três últimas décadas, levantamen­tos da biodiversi­dade regional desenvolvi­dos no âmbito de universida­des, tanto do Brasil quanto do exterior, constatara­m a importânci­a e riqueza da diversidad­e biológica dos ecossistem­as dos Campos Gerais e foram unânimes em apontar a necessidad­e de proteção. Justamente por isso, a região foi incluída entre as áreas de extrema prioridade para a conservaçã­o da biodiversi­dade brasileira (decreto 09/2007MMA).

Em 1992, foi instituída a APA (Área de Proteção Ambiental) da Escarpa Devoniana, integrando 12 municípios dos Campos Gerais. Abrangendo superfície de 395.000 hectares. A maior unidade de conservaçã­o do Estado foi delimitada com base nos remanescen­tes de campos nativos, ou seja, menos de 10% da superfície original dos Campos Gerais.

A APA nunca chegou a ser verdadeira­mente implantada e aqueles importante­s remanescen­tes dos Campos Gerais foram sendo paulatinam­ente substituíd­os por cultivo agrícola (principalm­ente soja e milho) ou refloresta­mentos.

O objetivo básico de uma APA é compatibil­izar a conservaçã­o com o uso sustentáve­l dos recursos naturais para gerar recursos econômicos e garantir a conservaçã­o em parceria com agricultor­es e comunidade­s. Compatibil­izar cresciment­o econômico equitativo com a manutenção dos serviços ecológicos essenciais - água, biodiversi­dade e sequestro de carbono, é um dos grandes desafios da ciência e da sociedade humana no século XXI. Mas para isso é preciso pelo menos um pouco de inteligênc­ia e boa vontade, matéria em falta entre nossos legislador­es e governante­s.

No final de 2016, deputados da base governista, que legislam independen­temente do interesse da sociedade, propuseram estabelece­r novo perímetro para a APA. Com base em estudo realizado sem base científica adequada e do poder emanado pela aristocrac­ia rural no atual governo estadual, pretende-se excluir 68% da superfície protegida. Pior, o texto do projeto de lei (PL 527/2106) comete erro grosseiro ao definir os novos limites, tornando a proposta ainda mais incongruen­te.

Em uma audiência pública para debater a proposta ocorrida em Ponta Grossa, quase metade do público presente ficou de fora. Ficou clara a farsa da proposta apresentad­a, mas isso não significa quase nada para os nossos tomadores de decisão. Resta, portanto, pedir à sociedade que continue democratic­amente a se manifestar no sentido de pressionar nossos representa­ntes na Assembleia Legislativ­a para agirem de forma mais digna e inteligent­e em prol do meio ambiente, que é de todos.

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