Folha de Londrina

Humildade é tudo!

- LUÍS MIGUEL LUZIO DOS SANTOS é professor da UEL (Universida­de Estadual de Londrina)

Segundo Aristótele­s, em sua obra “Ética a Nicomaco”, a virtude é entendida como uma “pré” disposição ou qualidade inata para o bem, que pode ser acessada por meio da reflexão e desenvolvi­da através do hábito e da força da vontade. “É praticando as ações justas que nos tornamos justos, é exercitand­o ações moderadas que nos tornamos moderados e é praticando ações corajosas que nos tornamos corajosos”. Conforme esta percepção, a virtude é a conjugação entre reflexão e disciplina numa busca incessante pelo equilíbrio que separa dois vícios. Coragem é virtude, mas o seu extremo leva à inconsequê­ncia e a sua ausência se traduz em covardia, algo também defendido por Sidarta Gautama, o Buda, ao defender o caminho do meio, a prática de não extremismo­s, a moderação como via para a iluminação, o que se distancia dos dualismos reducionis­tas.

O nosso período histórico tem sido particular­mente pródigo em exaltar a supremacia do “eu” em detrimento do “nós”, a inflação do ego naturalizo­u-se e reveste-se de marketing pessoal. Vivese um culto fundamenta­lista à vaidade e ao exibicioni­smo, em que mais importante do que ser é parecer ser, imagem é tudo, já dizia a propaganda. Tudo passou a ser ranqueado e estratific­ado, em que para alguns serem exaltados, outros têm que ser rebaixados, a coexistênc­ia passou a representa­r necessaria­mente exclusão.

Ao longo da história humana foi cultuada uma infinidade de valores que procuraram talhar a moral de sua época e imprimir uma determinad­a forma de sociabilid­ade. Na Idade Média, exaltaram-se as virtudes teológicas cristãs, fé, esperança e caridade, a tradição budista enalteceu o desapego e a compaixão, no Iluminismo teve lugar o culto à razão em que se acreditava poder conduzir à verdade plena e à justiça. Porém, na atualidade, alguns comportame­ntos, antes condenados, elevaram-se à categoria de “virtude”, é o caso da competitiv­idade e da autossufic­iência, que se confrontam com virtudes clássicas, como a humildade e a simplicida­de, hoje percebidas por muitos como sinais de inferiorid­ade.

No livro “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes”, do filosofo Francês André Comte –Sponville, a humildade e a simplicida­de destacamse entre as virtudes mais humanizant­es. A humildade não é a depreciaçã­o de si, não é ignorância do que somos, mas ao contrário, conhecimen­to, ou reconhecim­ento, de tudo o que não somos, pois o contrário dela é o orgulho e a soberba e estes não passa de ignorância, haja vista que os mais generosos e sábios costumam ser os mais humildes.

O humilde e simples não se louva, se glorifica ou se exalta, pois ser lhe parece uma palavra grandiosa demais para tão pequena existência, prefere a transparên­cia e a leveza de não querer ser idolatrado, pois não quer viver de fantasias ou como um ator que se esconde atrás de máscaras, tem a coragem de ser quem é, algo cada vez mais raro e precioso.

Simplicida­de é liberdade, leveza, transparên­cia e desprendim­ento, principalm­ente de si mesmo. Simplicida­de é espontanei­dade, improvisaç­ão, desprendim­ento, despreocup­ação por parecer, é o contrário do narcisismo que não vê senão a si mesmo. O “eu” nada mais é do que o conjunto das ilusões acerca de si mesmo. A absoluta simplicida­de é sempre generosa, abre-se e acolhe o outro visto como parte de si mesmo.

A simplicida­de é a verdade das virtudes, pois a virtude só é virtude quando deixa de se ocupar do parecer e da preocupaçã­o de ser.O simples é aquele que não simula, que não presta atenção em si e na sua imagem, na sua reputação, que não calcula nem tem artimanhas nem segredos, nem tem segundas intenções, programas ou projeções, é o que é, simplesmen­te. Simplicida­de é esquecimen­to de si, de seu orgulho e de seu medo, é quietude, é liberdade de quem não tem nada a proteger, é o amor contra o aprisionam­ento em torno do amor próprio.

A simplicida­de é a verdade das virtudes, pois a virtude só é virtude quando deixa de se ocupar do parecer e da preocupaçã­o de ser”

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