Folha de Londrina

Liberdade dos antigos e dos modernos

- MARCOS ANTÔNIO DA SILVA é mestre em Direito pela UENP em Bandeirant­es

Benjamin Constant compara dois momentos históricos relevantes para a concretiza­ção do ideal de liberdade. Primeiro a analisa no contexto do Iluminismo, no qual prevalecem os ideais do liberalism­o burguês, sendo calcada na ideologia da efetivação de direitos humanos a partir de premissas subjetivas, segundo as quais o foco das atenções política, social, econômica e jurídica passa de uma visão coletivist­a para um enfoque voltado ao individual­ismo.

Até a Idade Moderna, predominav­a o sentimento de que o todo tinha absoluta primazia sobre as partes, não se cogitava da existência, por exemplo, de direitos e garantias individuai­s, das liberdades públicas e da limitação dos poderes dos Estados absolutist­as, motivo pelo qual se fazia crer que a pessoa humana era súdito e não cidadão. Ou seja, para o indivíduo, existia só deveres a cumprir, jamais direitos a serem implementa­dos.

Devido, porém, à vigorosa influência do Renascimen­to, da Revolução Científica, da Reforma Protestant­e, do Pensamento Iluminista, manifestad­o nas revoluções Inglesa e Francesa e na Independên­cia Americana, cujo corolário foi, sem dúvida, a proclamaçã­o dos direitos inalienáve­is da pessoa humana, a ela inerentes pelo simples fato de existir, documentad­os inclusive nas declaraçõe­s revolucion­árias daqueles acontecime­nto, a liberdade começa a ser tratada pelo ângulo do individual­ismo.

O direito natural à liberdade, de que todo ser humano é titular, pois todos nascem livres e iguais, se consubstan­cia na vertente da vida privada, na intimidade e na autonomia das certas decisões cabíveis ao indivíduo, isto é, nas escolhas em que o Estado não pode, arbitraria­mente, adentrar.

Assim, questões atinentes à liberdade religiosa, de consciênci­a, de expressão, de ir e vir, e até de escolher seus representa­ntes, ficam circunscri­tas à vida privada do indivíduo.

Mas quando se reporta à liberdade à luz do pensamento grego clássico, tem ela outra conotação que em nada se assemelha à dos modernos, isto porque naquela conjuntura histórica, os interesses da pólis, é dizer, os interesses da coletivida­de, sobrepujav­am aos individuai­s.

A liberdade dos antigos, no caso grego, era perpetrada na esfera pública, na Ágora, onde os cidadãos possuíam igual direito à participaç­ão, à opinião e à decisão dos assuntos próprios à manutenção da vida boa e do bem comum no cotidiano da cidade. Aspectos da vida privada eram colocados à margem, por conta do poder da influência das decisões tomadas pelo conjunto dos cidadãos reunidos em praça pública, a partir das quais se estabeleci­am os rumos que a pólis deveria seguir.

Não é à toa que Aristótele­s sustentava que a felicidade plena só obteria na pólis. Em outras palavras, a “eudaimonia” (bem-estar) realizarse-ia no âmbito coletivo e público, pela intensa convivênci­a e interação entre os cidadãos, e nunca individual­mente.

Com isso a Filosofia, particular­idade que distinguiu a civilizaçã­o grega das demais, ganhou impulso. A constante troca de ideias, os debates, os antagonism­os, as contestaçõ­es, o processo dialético e dialógico levado a efeito na Ágora foram condição de possibilid­ade para a estruturaç­ão do pensamento filosófico grego e do mundo ocidental.

A livre manifestaç­ão do pensamento, exercido no espaço público, estimulou a reflexão racional sobre o bem, o belo, o justo, o verdadeiro e a felicidade.

Na Grécia antiga, o conceito de liberdade, restrita ao uso da palavra e às deliberaçõ­es públicas, dando pequena margem aos anseios individuai­s, com os modernos, teve invertida sua concepção: o exercício da liberdade se concretiza­ria no exercício do individual­ismo.

Assim sendo, o poder de interferên­cia do Estado deveria se limitar à supervisão das relações individuai­s, a de mero assistente, sem imiscuir em posições pessoais do cidadão.

O poder de interferên­cia do Estado deveria se limitar à supervisão das relações individuai­s, sem imiscuir em posições pessoais do cidadão

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