Liberdade dos antigos e dos modernos
Benjamin Constant compara dois momentos históricos relevantes para a concretização do ideal de liberdade. Primeiro a analisa no contexto do Iluminismo, no qual prevalecem os ideais do liberalismo burguês, sendo calcada na ideologia da efetivação de direitos humanos a partir de premissas subjetivas, segundo as quais o foco das atenções política, social, econômica e jurídica passa de uma visão coletivista para um enfoque voltado ao individualismo.
Até a Idade Moderna, predominava o sentimento de que o todo tinha absoluta primazia sobre as partes, não se cogitava da existência, por exemplo, de direitos e garantias individuais, das liberdades públicas e da limitação dos poderes dos Estados absolutistas, motivo pelo qual se fazia crer que a pessoa humana era súdito e não cidadão. Ou seja, para o indivíduo, existia só deveres a cumprir, jamais direitos a serem implementados.
Devido, porém, à vigorosa influência do Renascimento, da Revolução Científica, da Reforma Protestante, do Pensamento Iluminista, manifestado nas revoluções Inglesa e Francesa e na Independência Americana, cujo corolário foi, sem dúvida, a proclamação dos direitos inalienáveis da pessoa humana, a ela inerentes pelo simples fato de existir, documentados inclusive nas declarações revolucionárias daqueles acontecimento, a liberdade começa a ser tratada pelo ângulo do individualismo.
O direito natural à liberdade, de que todo ser humano é titular, pois todos nascem livres e iguais, se consubstancia na vertente da vida privada, na intimidade e na autonomia das certas decisões cabíveis ao indivíduo, isto é, nas escolhas em que o Estado não pode, arbitrariamente, adentrar.
Assim, questões atinentes à liberdade religiosa, de consciência, de expressão, de ir e vir, e até de escolher seus representantes, ficam circunscritas à vida privada do indivíduo.
Mas quando se reporta à liberdade à luz do pensamento grego clássico, tem ela outra conotação que em nada se assemelha à dos modernos, isto porque naquela conjuntura histórica, os interesses da pólis, é dizer, os interesses da coletividade, sobrepujavam aos individuais.
A liberdade dos antigos, no caso grego, era perpetrada na esfera pública, na Ágora, onde os cidadãos possuíam igual direito à participação, à opinião e à decisão dos assuntos próprios à manutenção da vida boa e do bem comum no cotidiano da cidade. Aspectos da vida privada eram colocados à margem, por conta do poder da influência das decisões tomadas pelo conjunto dos cidadãos reunidos em praça pública, a partir das quais se estabeleciam os rumos que a pólis deveria seguir.
Não é à toa que Aristóteles sustentava que a felicidade plena só obteria na pólis. Em outras palavras, a “eudaimonia” (bem-estar) realizarse-ia no âmbito coletivo e público, pela intensa convivência e interação entre os cidadãos, e nunca individualmente.
Com isso a Filosofia, particularidade que distinguiu a civilização grega das demais, ganhou impulso. A constante troca de ideias, os debates, os antagonismos, as contestações, o processo dialético e dialógico levado a efeito na Ágora foram condição de possibilidade para a estruturação do pensamento filosófico grego e do mundo ocidental.
A livre manifestação do pensamento, exercido no espaço público, estimulou a reflexão racional sobre o bem, o belo, o justo, o verdadeiro e a felicidade.
Na Grécia antiga, o conceito de liberdade, restrita ao uso da palavra e às deliberações públicas, dando pequena margem aos anseios individuais, com os modernos, teve invertida sua concepção: o exercício da liberdade se concretizaria no exercício do individualismo.
Assim sendo, o poder de interferência do Estado deveria se limitar à supervisão das relações individuais, a de mero assistente, sem imiscuir em posições pessoais do cidadão.
O poder de interferência do Estado deveria se limitar à supervisão das relações individuais, sem imiscuir em posições pessoais do cidadão