ABUSO INVISÍVEL
Comentário negativo sobre a cor do esmalte e condutas que depreciam e humilham a mulher, diminuindo a sua autoestima, também são formas de agressão
Críticas depreciativas sobre cor do esmalte, maquiagem ou modo de vestir são formas de violência contra a mulher e trazem graves consequências
Aagressão física é a forma mais aparente de violência contra a mulher e costuma ser o ápice de uma série de atitudes iniciada com outros tipos de abuso, por vezes bem mais sutis e nem sempre interpretados como hostilidade. O comentário negativo sobre a cor do esmalte, da maquiagem ou modo de vestir ou condutas que depreciam e humilham a mulher, diminuindo a sua autoestima, também são formas de violência, uma violência invisível que repetida por meses ou anos causa sérias sequelas psicológicas e também pode levar à morte.
No final de novembro, a Seds (Secretaria Estadual da Família e Desenvolvimento Social) lançou a campanha “Você Pode Mais” para alertar as mulheres sobre condutas que podem até parecer naturais em relacionamentos afetivos, mas que devem ser encaradas como violência e, portanto, não podem ser toleradas. Os vídeos feitos para a campanha enfatizam que viver sob agressões físicas, verbais e psicológicas não é normal e lembram que as mulheres devem romper relacionamentos desse tipo.
“O objetivo da campanha é que esse tema realmente entre nas discussões, nas rodas de conversa, que a mulher que esteja assistindo a campanha vire para o seu companheiro e fale ‘poxa, você faz isso’, colegas de trabalho fazem isso também. A campanha não abrange apenas relacionamentos abusivos amorosos, mas também de pai com filha, de filho com a mãe, entre amigas. O importante é que a sociedade comece a discutir a questão”, ressaltou a coordenadora estadual de Política de Mulher da Seds, Ana Cláudia Machado.
A coordenadora lembra que a violência física é gravíssima e que os índices de casos dessa natureza são elevados e podem resultar em feminicídios, mas coibir as pequenas atitudes que tolhem a liberdade da mulher, a humilham e diminuem a sua autoestima é uma forma de “cortar o mal pela raiz”. “Cabe a toda sociedade não aceitar esses pequenos gestos, as piadinhas machistas que são enviadas nos grupos de Whatsapp. A gente quer que quando chegue uma piadinha dessa, alguém reflita que não é legal falar desse jeito sobre a mulher”, disse Machado.
Advogada e coordenadora do Numape (Núcleo Maria da Penha), projeto do governo estadual vinculado à UEL (Universidade Estadual de Londrina) que oferece auxílio a mulheres vítimas de violência, Claudete Canesin afirma que em quatro anos de existência do núcleo nunca encontrou um caso de agressão contra a mulher que não tenha sido precedido pelas violências invisíveis. “A violência contra a mulher nunca começa pela física, sempre tem a psicológica, a moral, a patrimonial e até a sexual antes. E essas formas de violência são tão destrutivas à autoestima da mulher quanto a violência física”, disse. “Quando a mulher chega até nós marcada, roxa, machucada e nós começamos a conversar com ela, percebemos que a violência existe há dez, 15 anos, mas são outras formas de violência. Quando chega na violência física, essa mulher já está destruída, a sua autoestima já acabou junto com seus direitos de cidadã, lá atrás. É uma evolução da violência”, atesta Canesin. “A violência psicológica é tão destrutiva quanto a violência física.”
A anuência da sociedade para algumas formas de violência pode explicar os moti- vos que fazem com que a mulher suporte por anos seguidos ser agredida moral e psicologicamente. A agressão pode começar, por exemplo, na desvalorização do trabalho doméstico. “A atividade laborativa dentro de casa é tão importante e deveria ser mais valorizada pelos homens, mas o homem vem nessa história de machismo que já foi arraigado dentro dele, que o serviço do lar não tem valor. Como se um ser humano pudesse viver sem o trabalho e a função de um lar. A violência psicológica contra a mulher começa aí, não reconhecendo que a atividade laborativa dentro do lar é tão importante e necessária quanto você lá fora tendo sua atividade profissional”, defende a coordenadora do Numape. “As mulheres que trabalham dentro de casa também precisam aprender a se valorizar.”
MOMENTO CERTO
Canesin lembra que o momento certo de buscar ajuda é no primeiro episódio de violência psicológica e para isso as mulheres devem estar atentas para as atitudes praticadas por pessoas com quem se relacionam afetivamente. “Quando o outro quer determinar o jeito como ela se veste, pensa, come ou se expressa, inclusive nas redes sociais, isso já é uma violência psicológica porque não permite que ela pense e se expresse do modo dela”, alertou.
Desqualificar as relações afetivas da mulher, menosprezando os amigos e familiares dela, xingar, submetêla a situações humilhantes em público, criticar seu corpo e sua forma física também