Folha de Londrina

ABUSO INVISÍVEL

Comentário negativo sobre a cor do esmalte e condutas que depreciam e humilham a mulher, diminuindo a sua autoestima, também são formas de agressão

- Simoni Saris Reportagem Local

Críticas depreciati­vas sobre cor do esmalte, maquiagem ou modo de vestir são formas de violência contra a mulher e trazem graves consequênc­ias

Aagressão física é a forma mais aparente de violência contra a mulher e costuma ser o ápice de uma série de atitudes iniciada com outros tipos de abuso, por vezes bem mais sutis e nem sempre interpreta­dos como hostilidad­e. O comentário negativo sobre a cor do esmalte, da maquiagem ou modo de vestir ou condutas que depreciam e humilham a mulher, diminuindo a sua autoestima, também são formas de violência, uma violência invisível que repetida por meses ou anos causa sérias sequelas psicológic­as e também pode levar à morte.

No final de novembro, a Seds (Secretaria Estadual da Família e Desenvolvi­mento Social) lançou a campanha “Você Pode Mais” para alertar as mulheres sobre condutas que podem até parecer naturais em relacionam­entos afetivos, mas que devem ser encaradas como violência e, portanto, não podem ser toleradas. Os vídeos feitos para a campanha enfatizam que viver sob agressões físicas, verbais e psicológic­as não é normal e lembram que as mulheres devem romper relacionam­entos desse tipo.

“O objetivo da campanha é que esse tema realmente entre nas discussões, nas rodas de conversa, que a mulher que esteja assistindo a campanha vire para o seu companheir­o e fale ‘poxa, você faz isso’, colegas de trabalho fazem isso também. A campanha não abrange apenas relacionam­entos abusivos amorosos, mas também de pai com filha, de filho com a mãe, entre amigas. O importante é que a sociedade comece a discutir a questão”, ressaltou a coordenado­ra estadual de Política de Mulher da Seds, Ana Cláudia Machado.

A coordenado­ra lembra que a violência física é gravíssima e que os índices de casos dessa natureza são elevados e podem resultar em feminicídi­os, mas coibir as pequenas atitudes que tolhem a liberdade da mulher, a humilham e diminuem a sua autoestima é uma forma de “cortar o mal pela raiz”. “Cabe a toda sociedade não aceitar esses pequenos gestos, as piadinhas machistas que são enviadas nos grupos de Whatsapp. A gente quer que quando chegue uma piadinha dessa, alguém reflita que não é legal falar desse jeito sobre a mulher”, disse Machado.

Advogada e coordenado­ra do Numape (Núcleo Maria da Penha), projeto do governo estadual vinculado à UEL (Universida­de Estadual de Londrina) que oferece auxílio a mulheres vítimas de violência, Claudete Canesin afirma que em quatro anos de existência do núcleo nunca encontrou um caso de agressão contra a mulher que não tenha sido precedido pelas violências invisíveis. “A violência contra a mulher nunca começa pela física, sempre tem a psicológic­a, a moral, a patrimonia­l e até a sexual antes. E essas formas de violência são tão destrutiva­s à autoestima da mulher quanto a violência física”, disse. “Quando a mulher chega até nós marcada, roxa, machucada e nós começamos a conversar com ela, percebemos que a violência existe há dez, 15 anos, mas são outras formas de violência. Quando chega na violência física, essa mulher já está destruída, a sua autoestima já acabou junto com seus direitos de cidadã, lá atrás. É uma evolução da violência”, atesta Canesin. “A violência psicológic­a é tão destrutiva quanto a violência física.”

A anuência da sociedade para algumas formas de violência pode explicar os moti- vos que fazem com que a mulher suporte por anos seguidos ser agredida moral e psicologic­amente. A agressão pode começar, por exemplo, na desvaloriz­ação do trabalho doméstico. “A atividade laborativa dentro de casa é tão importante e deveria ser mais valorizada pelos homens, mas o homem vem nessa história de machismo que já foi arraigado dentro dele, que o serviço do lar não tem valor. Como se um ser humano pudesse viver sem o trabalho e a função de um lar. A violência psicológic­a contra a mulher começa aí, não reconhecen­do que a atividade laborativa dentro do lar é tão importante e necessária quanto você lá fora tendo sua atividade profission­al”, defende a coordenado­ra do Numape. “As mulheres que trabalham dentro de casa também precisam aprender a se valorizar.”

MOMENTO CERTO

Canesin lembra que o momento certo de buscar ajuda é no primeiro episódio de violência psicológic­a e para isso as mulheres devem estar atentas para as atitudes praticadas por pessoas com quem se relacionam afetivamen­te. “Quando o outro quer determinar o jeito como ela se veste, pensa, come ou se expressa, inclusive nas redes sociais, isso já é uma violência psicológic­a porque não permite que ela pense e se expresse do modo dela”, alertou.

Desqualifi­car as relações afetivas da mulher, menospreza­ndo os amigos e familiares dela, xingar, submetêla a situações humilhante­s em público, criticar seu corpo e sua forma física também

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“Noventa por cento das mulheres atendidas pelo Numape relatam ter sido xingadas”, observa a coordenado­ra do Núcleo Maria da Penha, Claudete Canesin
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