Folha de Londrina

Jornalismo e cinema: dobradinha que fez história

A relação entre os dois segmentos é antiga e volta a ser tema em produção de Steven Spielberg que estreia no Brasil em fevereiro

- Guilherme Bernardi Especial para Folha 2

Tanto o Homem-Aranha como o Super-Homem são jornalista­s. É possível pensar que a escolha das profissões de Peter Parker e Clark Kent, respectiva­mente, foi pelo fato de ambos, jornalismo e super-poderes, poderem fazer coisas boas.

Mas não é só como alter egos que os jornalista­s aparecem no cinema. Essa relação começou há mais de um século. Em 1909, “O Poder da Imprensa” popularizo­u o jornalismo como o quarto poder. O jornalismo seria o poder que fiscaliza todos os outros três da divisão clássica de Montesquie­u: o Executivo, o Legislativ­o e o Judiciário. Assim, a sétima arte adotava o jornalismo como tema.

O leitor Odair Chiqueto, de Rolândia, que durante anos foi proprietár­io de uma banca de revistas, fez um levantamen­to da relação entre cinema e jornalismo norte-americano e sugeriu resenhas, além de cópias de filmes como “A Montanha dos Sete Abutres”. As sugestões de Chiqueto inspiraram a reportagem da Folha 2 a investigar a relação desses dois personagen­s que, entre elogios e críticas, polêmicas e escândalos, convivem há décadas.

Depois de “O Poder da Imprensa”, a dinâmica da profissão e da redação continuou servindo de inspiração para o cinema. “Cidadão Kane”, dirigido e estrelado por Orson Welles em 1941, é considerad­o uma obra-prima – sendo referido por muitos, inclusive, como um dos melhores da história. O filme explora a figura do magnata Charles Foster Kane. Ele nasce pobre, fica rico, por causa de uma herança que a mãe recebeu, e ergue um império jornalísti­co. Sua busca era pelo poder. Comparaçõe­s são feitas com o magnata da imprensa William Randolph Hearst, que popularizo­u o “jornalismo amarelo” (espécie de jornalismo sensaciona­lista) e tentou impedir, na época, que o filme fosse produzido. Hearst rivalizava com outro dono de meios de comunicaçã­o: Joseph Pulitzer – que dá nome ao maior prêmio do jornalismo norte-americano.

“Cidadão Kane” também foi usado como inspiração para, em 1993, o Canal 4, emissora pública britânica, produzir o documentár­io “Além do Cidadão Kane”, que retrata a vida do fundador das Organizaçõ­es Globo, Roberto Marinho.

“A Montanha dos Sete Abutres”, produzido em 1951 e estrelada por Kirk Douglas (pai de Michael Douglas), é outro filme que conta uma história não tão bela do jornalismo. Na obra, o jornalista Charles Tatum, após várias demissões, vai para o interior em busca de um emprego e uma história que possa devolvê-lo às grandes redações. Quando encontra um homem preso em uma mina, ele pensa que essa é sua chance e, para melhor aproveitá-la, trama para retardar o resgaste. A narrativa continua por alguns dias e, nesse meio tempo, um parque de diversões é construído próximo ao local e as pessoas se sentem amigas do homem preso, Leo Minosa.

Escândalos na telona - Em 1976, o filme que marca a relação entre cinema e jornalismo é “Todos os Homens do Presidente”. Todo o trabalho de investigaç­ão feito pelos repórteres do “The Washington Post”, Bob Woodward e Carl Bernstein, que resultou na descoberta do escândalo de Watergate e a renúncia do então presidente Richard Nixon, é eternizado no filme. O “Post” era comandado pela dupla Ben Bradlee, editor, e Katharine Graham, diretora do jornal.

Outra caso escandalos­o que ganhou as telonas foi a pedofilia na Igreja Católica. A história foi revelada pelo “Boston Globe” e retratada, em 2015, no filme “Spotlight: Segredos Revelados”, que, depois, ganharia o Oscar de melhor filme. O editor-chefe do jornal era Martin Baron.

Em 2013, mesmo ano no qual o “Post” foi vendido a Jeff Bezos, dono da “Amazon”, Baron assumiu a chefia do jornal de Washington. Quando Edward Snowden - ex-agente da CIA e da NSA (siglas em inglês para as Agências de Inteligênc­ia e de Segurança Nacional, respectiva­mente, dos Estados Unidos) - fugiu com segredos da inteligênc­ia norte-americana, ele procurou jornalista­s para divulgar o megaesquem­a de vigilância armado pelo país. Glenn Greenwald, Laura Poitras e Ewen MacAskill, todos do britânico “The Guardian”, e, separadame­nte, Barton Gellman, do “The Washington Post”, foram os escolhidos. O jornal dirigido por Baron foi o primeiro dos EUA a investigar a história. A reportagem ganhou o prêmio Pulitzer daquele ano. A vida de Snowden foi retratada em filme que leva seu nome, dirigido por Oliver Stone, em 2016. Interpreta­do por Joseph GordonLevi­tt, a trama tem foco na vida do ex-agente. O lado jornalísti­co da história pode ser encontrado em um documentár­io produzido pela própria Laura Poitras. “Citizenfou­r” (Cidadãoqua­tro, em tradução literal, foi o nome com o qual Snowden se idenficou ao fazer contato com eles e que deu nome ao documentár­io) traz uma análise sobre as implicaçõe­s desse megaesquem­a de vigilância nos dias de hoje. Ele fecha uma trilogia da documentar­ista sobre os Estados Unidos após 11 de setembro. Os dois primeiros são: “My Country, My Country” e “The Oath”. Snowden não é uma unanimidad­e. Traidor para alguns, herói para outros. Para Daniel Ellsberg, ex-analista militar norte-americano, ele é um herói. Ellsberg é o homem que vazou, em 1971, os “Papéis do Pentágono”. Eles expuseram decisões do governo dos EUA em relação à Guerra do Vietnã. Ele foi perseguido por Nixon posteriorm­ente. Dirigido por Steven Spielberg, o filme “The Post: A Guerra Secreta”, que estreia no Brasil em fevereiro deste ano, vai contar a história desse escândalo, divulgado em primeira mão pelo “The New York Times”. Quando o jornal foi censurado por uma decisão judicial, que impedia a publicação desses documentos, Bradlee e Graham, interpreta­dos no filme por Tom Hanks e Maryl Streep, desafiaram a decisão e publicaram o conteúdo vazado por Ellsberg. 46 anos depois, em meio a descrenças quanto ao futuro do jornalismo e do mundo como um todo, o cinema resgata uma grande história para, quem sabe, inspirar as próximas.

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Fotos: ReproduÇão Tom Hanks em ‘The Post: A Guerra Secreta’: filme de Spielberg sobre o vazamento dos “Papéis do Pentágono” estreia no Brasil em fevereiro
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Orson Welles em ‘Cidadão Kane’ (1941): clássico sobre as relações entre o poder e o jornalismo é considerad­o um dos melhores filmes da história
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Joseph Gordon-Levitt em ‘Snowden’ (2016): um filme tão polêmico quanto o personagem que o inspirou
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‘OPoderda Imprensa’ (1909): filme quedeuo start’ ao tema que seria caro ao cinema

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