“A Guerra Secreta” defende a necessidade permanente de uma imprensa independente e combativa
‘The Post: A Guerra Secreta’ estreia em circuito nacional, incluindo Londrina, trazendo de volta uma lição sobre a liberdade de imprensa em tempos que evocam a importância desse valor
Nos últimos anos, Steven Spielberg parece mais centrado artisticamente em filmes “adultos”, como “Munique”, “Lincoln” e “A Ponte dos Espiões”, do que em seus mais recentes filmes-espetáculo (Tin-Tin”, “Meu Amigo, o Gigante” e o iminente “Ready Player One”). Estes últimos são produtos nos quais a animação digital é quase tudo, e nos quais o diretor parece delegar muito à equipe composta por aquele pessoal dos computadores. Bem, um de seus filmes “sérios” e “adultos” chega hoje ao circuito brasileiro, Londrina inclusive. Ancorado pelas nominações ao Oscar (nem tantas quanto os produtores queriam), “The Post : A Guerra Secreta” é drama bom, sólido. Mais um Spielberg para constar da lista de qualquer cinéfilo que se respeite.
Ainda que o diretor tenha dito que fez o filme quase de improviso, “The Post” foi realizado por um exército de grandes profissionais (cada coadjuvante, mesmo com poucas falas, parece protagonista de algum outro filme ou de série). Convém – como ocorria com “Lincoln” – conhecer de antemão fatos e personagens para melhor penetrar no filme e não se perder no início, se bem que astúcia narrativa do cineasta é suficiente para guiar qualquer espectador sem o perigo de se perder no intrincado da trama. “The Post: A Guerra Secreta” narra os acontecimentos reais ocorridos nos anos 1970, quando um jornalista teve acesso a informes confidenciais (secretos, na verdade) do governo dos Estados Unidos que evidenciavam que, durante mais de 40 anos e quatro presidentes, a população do país (e do mundo) foi enganada quanto à verdade sobre a Guerra do Vietnam. No momento em que esses documentos chegaram às mãos da imprensa , teve início uma guerra entre jornais (New York Times e Washington Post) e o governo, que queria suprimir das redações a liberdade de expressão. Os personagens centrais da história, envolvidos em insólita colaboração mútua, são Katharine Graham (Meryl Streep, em enésima nominação para melhor atriz), a primeira mulher editora do Washington Post, e seu combativo diretor Ben Bradlee (Tom Hanks, ator fetiche de Spielberg). Juntos, deverão superar diferenças e arriscar suas carreiras e a própria liberdade para revelar dolorosas verdades enterradas há muito tempo. Evidentemente, os espectadores já adultos na década de 70 vão se lembrar imediatamente de “Todos os Homens do Presidente” (Alan J. Pakula, 1976) e até classificar o filme de agora como uma espécie de prequela, dada a semelhança entre personagens, paisagem política e argumentos similares.
Liberdade de imprensa - A trama deste “A Guerra Secreta” é sempre interessante por seu discurso contundente e relevante sobre a necessidade permanente de uma imprensa independente e combativa – Spielberg parece dirigir-se diretamente contra os delirantes desmandos anti jornalísticos desta famigerada era Trump. E esta trama cresce em ritmo de thriller pontuado pelo suspense e pela emoção, o que o distancia daquela frieza cerebral que marcou o grande cinema americano dos 70. Uma vez desaparecidos os grandes diretores clássicos do cinema made in USA, é quase certo que o cineasta de “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” tenha se tornado o guardião da melhor Hollywood de outros tempos, sem que isso o transforme literalmente em ser jurássico. Seu cinema, se por um lado é absolutamente pessoal e marcado a ferro, por outro está impregnado pelo DNA de David Liean, Hitchcock ou Frank Capra. “The Post” tem muito de Capra não formalmente, mas pelo tipo de história que narra: a do herói paladino dos valores americanos, aquele personagem que sabe como e quando dizer que governantes e burocratas nunca devem estar acima do povo. Na maioria, os personagens de “The Post” são jornalistas da velha guarda, todos metidos nas feições de um Hanks, Bob Odenkirk e mais um punhado deslumbrante de coadjuvantes. Todos com um claro propósito. Mas a heroína de fato é aquela mulher, sobrecarregada de duvidas e pressões, a editora Katherine Graham. Comandando o Washington Post quase por acidente, ela deve decidir se fica ao lado da verdade, do negócio que dirige ou de suas amizades nas altas esferas. A porção feminista de Spielberg. O dinamismo de “The Post” resulta não somente da tensão crescente que sofrem seus personagens. Ele procede também do ritmo da narrativa e de sua decidida atenção aos detalhes visuais daquele universo de repórteres e pessoas influentes naqueles anos 70 – cada um deles conta sua própria parte da história. Importante definir que, sob esta história que se conta acerca de jornalistas que tem nas mãos a oportunidade de trazer ao púublico a verdade sobre aquele conflito absurdo (muito acima do tolerável em qualquer outro conflito), “The Post” é um calculado libelo que induz à reflexão sobre a hipocrisia de quem nos governa e seus altos poderes, sobre a liberdade de expressão, e sobretudo sobre a importância vital do jornalismo como arma mortífera para combater a opressão e as mentiras sob as quais se encontra uma sociedade. Que também precisa cultivar o correto exercício da mídia impressa.