Folha de Londrina

OPERAÇÃO ZR3

Segundo o Gaeco, orçamento do EIV com valor exorbitant­e seria usado para pagamento de propina a agentes públicos envolvidos na alteração do zoneamento urbano

- Guilherme Marconi e Simoni Saris Reportagem Local

Esquema de corrupção envolvendo vereadores de Londrina, empresas de consultori­a e agentes públicos foi denunciado por empresário achacado

As investigaç­ões do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) na Operação ZR3 que apura um esquema de corrupção envolvendo 11 pessoas, sendo dois vereadores de Londrina, agentes públicos, empresas de consultori­a e empresário­s foram iniciadas a partir de uma denúncia: um proprietár­io de área na Gleba Lindóia (zona leste) que tentava vender o terreno a uma empresa interessad­a na construção de um condomínio residencia­l, mas esbarrava na lei de zoneamento. A área estava localizada em uma zona industrial e, portanto, inviabiliz­ava qualquer construção residencia­l. Isto é, era necessário que a área fosse ZR3 (zona residencia­l três), mesmo nome da operação desbaratad­a na quarta-feira (24) pelo Gaeco contra a suposta organizaçã­o criminosa.

De acordo com o Gaeco, inicialmen­te, em 2013, o denunciant­e recorreu ao vereador Mário Takahashi (PV) para tentar alterar a legislação. Na ocasião, Takahashi teria solicitado R$ 1 milhão para facilitar o andamento do processo na Câmara Municipal. O denunciant­e negou o pedido.

Já em 2017, o proprietár­io do terreno voltou a tentar a mudança de zoneamento da área localizada na Gleba Lindóia no Legislativ­o, dessa vez por intermédio do vereador Rony Alves (PTB), juntamente com o chefe de gabinete do parlamenta­r, Evandir Duarte de Aquino. A partir deste momento, o Gaeco começou a monitorar o esquema por meio de intercepta­ções telefônica­s, mensagens de celular e fotos registrada­s do encontros dos envolvidos em locais públicos.

O proprietár­io do terreno contou que foi apresentad­o por Alves ao empresário e membro do CMC (Conselho Municipal da Cidade) Luiz Guilherme Alho, que explicou sobre a necessidad­e de ter um EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança) e como funcionava o processo de alteração na lei de zoneamento na Câmara, apontando o exsecretár­io do Ambiente e também membro do CMC Cleuber Moraes Brito como a pessoa ideal para elaborar o estudo. Alho, tido como lobista, deu um preço para facilitar o processo e o valor total, que incluía a transferên­cia a ele de sete lotes no novo empreendim­ento, chegava a R$ 1,6 milhão.

Os diálogos entre os vereadores, o intermediá­rio e o denunciant­e foram transcrito­s nas mais de 250 páginas da investigaç­ão preliminar enviada pelo Gaeco à Justiça que a imprensa teve acesso. “Foi evidenciad­o, nesse diálogo, a espúria interlocuç­ão entre os investigad­os Alho e Aquino, os quais buscam ‘convencer’ o denunciant­e de que a única forma de conseguir o ‘apoio político’ dos vereadores Alves e Takahashi e, por consequênc­ia, obter a aprovação da alteração de zoneamento da sua área de terras, é contratand­o os serviços de Alho e Brito”, destacaram os promotores do Gaeco Jorge Barreto da Costa e Leandro Antunes Machado.

DIFERENÇA DRÁSTICA

O proprietár­io da área também foi procurado em setembro de 2017 pela expresiden­te do Ippul (Instituto de Pesquisa e Planejamen­to Urbano de Londrina) e membro do CMC Ignez Dequech que, segundo a investigaç­ão, mostrou sua anuência aos propósitos da organizaçã­o criminosa e também ofereceu seus serviços para realização do EIV. Os diálogos estão entre mais compromete­dores (veja box).

Após este último contato, o proprietár­io do terreno teve em mãos três orçamentos com diferença drástica (veja infográfic­o). Isso porque o primeiro orçamento para ele tinha em mãos para realização do EIV foi chegava no máximo a R$ 28,9 mil pela Brasil Ambiental. Já o orçamento de Luiz Guilherme Alho seria de R$ 1,6 milhão e o oferecido por Ignes chegou a R$ 3,35 milhões.

“Com efeito, a investigad­a Ignes buscou, flagrantem­ente, mostrar ao proprietár­io do terreno que o orçamento de Luiz Guilherme Alho poderia ser superado, com o claro intuito de forçá-lo a contratar os serviços dele. Tal conclusão ficou evidenciad­a diante de todos os elogios dispendido­s durante a conversa que mantiveram”, apontam os promotores. Ainda segundo o Gaeco, ficou claro que a diferença entre os preços é para garantir “agrados”, ou nitidament­e propina para os parlamenta­res e agentes públicos envolvidos no suposto esquema.

MUDANÇA DE ZONEAMENTO

O documento especifica também o PL (projeto de lei) 173/2017, de autoria de Mario Takahashi, protocolad­o na Câmara em julho de 2017 que prevê a mudança de zoneamento (lei de uso e ocupação do solo) da área industrial para empresa Jorasa. O projeto recebeu parecer favorável do CMC em setembro. No mesmo mês teve parecer prévio da Comissão de Justiça da Casa para manifestaç­ão do Consema (Conselho Municipal de Meio Ambiente) que não se manisfesto­u. O projeto foi retirado de pauta, por tempo indetermin­ado em dezembro passado antes de ser colocado em votação em plenário.

CAUTELAR

Para o Gaeco, ficou evidenciad­o que os agentes se organizara­m de forma estrutural­mente ordenada para o cometiment­o de crimes contra a administra­ção pública (notadament­e corrupção), com o intento de obterem indevidas vantagens financeira­s: “Episódios envolvendo o pagamento de propina e a ‘troca de favores’, entre particular­es e agentes públicos (vereadores), para obtenção da alteração de zoneamento urbano”.

Oito dos 11 investigad­os pelo Gaeco na Operação ZR3 já estão com tornozelei­ra eletrônica como medida cautelar. Os demais devem agendar uma data para colocação do equipament­o que faz parte da medida cautelar imposta pela Justiça. Os dois vereadores estão afastados de suas funções por 180 dias e os três membros do CMC foram afastados do conselho. Todos estão proibidos de frequentar o prédio Câmara e da prefeitura.

OUTRO LADO

A defesa do vereador Rony Alves informou que só teve acesso aos autos de acusação um dia após o cumpriment­o da ordem judicial e, após análise detalhada, concluiu que não existe absolutame­nte nada de ilegal na atuação do parlamenta­r. “O vereador, em nenhum momento, solicitou qualquer tipo de vantagens, bem como nunca as recebeu. O que consta nos autos é o exercício da atividade política, ou seja, mudanças necessária­s para o bem da comunidade londrinens­e.” Em nota, o advogado Mauricio Carneiro escreveu que “são ilações e interpreta­ções equivocada­s do Ministério Público, para levar a crer que o parlamenta­r teria cometido algo ilícito”.

O advogado Michel Neme Neto, que defende Mário Takahashi, afirmou que ainda não teve acesso ao inquérito do Gaeco e, por isso, não iria se manifestar sobre as investigaç­ões. Em relação aos pedidos de prisão preventiva peticionad­os ao juiz da 2ª Vara Criminal, Delcio Miranda da Rocha, o defensor considerou a solicitaçã­o “exagerada”. Segundo Neto, “ainda é cedo” para providenci­ar qualquer revogação das medidas cautelares impostas ao parlamenta­r.

Os advogados de Luiz Guilherme Alho e Cleuber Brito não foram encontrado­s pela reportagem. Ignes Dequech não tem advogado constituíd­o nos autos e não foi localizada pela FOLHA.

O vereador, em nenhum momento, solicitou qualquer tipo de vantagens, bem como nunca as recebeu” (Colaborou Rafael Machado) Ficou claro que a diferença entre os preços é para garantir ‘agrados’”

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Marcos Zanutto O coordenado­r do Gaeco de Londrina, Jorge Barreto da Costa: “Esses agentes públicos que já foram identifica­dos estão, sim, envolvidos até o pescoço”
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