Folha de Londrina

Intervençõ­es do Gaeco, que discretas não podem ser, rumam quase sempre para um clima de espetacula­rização.

Afirmação é do presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidad­e; aumento das apreensões lança luz sobre problema

- LUIZ GERALDO MAZZA

As apreensões realizadas pela Receita Federal em Foz do Iguaçu (Oeste) totalizara­m R$ 260 milhões no ano passado, valor 19% maior que o registrado em 2016. O cigarro lidera o ranking das mercadoria­s apreendida­s: em 2017, foram recolhidos 20 milhões de maços, o correspond­ente a 38% do total de apreensões no ano. Com isso, o cigarro contraband­eado passou a representa­r 48% das vendas do produto dentro do País.

O presidente do FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidad­e), Edson Vismona, critica o contingenc­iamento de recursos voltados ao controle das fronteiras brasileira­s, que são um caso único no mundo. Afinal, o País é vizinho a dez países: são 17 mil quilômetro­s de fronteira e 1,7 milhão de quilômetro­s de rodovias que dão acesso ao território nacional.

Além disso, a alta tributação sobre o cigarro no Brasil incentiva o contraband­o do produto paraguaio, já que a alíquota sobre o produto do país vizinho é de apenas 16%, afirma Vismona. No Brasil, o imposto é de 80%. Por ser ilegal, o cigarro contraband­eado não sofre fiscalizaç­ão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e representa um risco ainda maior à saúde da população.

Para o presidente da FNCP, é urgente criar alianças entre os países da América Latina, bem como direcionar recursos às fronteiras, com o auxílio da tecnologia, como radares, raio-X e drones, para um efetivo controle do mercado ilegal. Afinal, os efeitos do contraband­o vão além da concorrênc­ia desleal. O comércio ilegal, sobretudo do cigarro, financia as organizaçõ­es criminosas e é uma ameaça à segurança pública.

O aumento das apreensões da Receita Federal em Foz do Iguaçu é motivo para se comemorar?

O que temos claro é o seguinte: essas apreensões mostram o tamanho do problema. O cresciment­o das apreensões está demonstran­do que o volume do contraband­o tem crescido. No caso específico do cigarro, chegamos ao ponto de o contraband­o ser o líder do mercado brasileiro. Isso é inadmissív­el. As marcas contraband­eadas do Paraguai que entram aqui sem pagar nenhum imposto, e que não respeitam nenhuma regra da Anvisa, estão dominando o mercado. Estamos perdendo para o crime, entregando o mercado brasileiro para as organizaçõ­es criminosas. Isso é algo assustador.

Por que esses números crescem tão assustador­amente?

Porque nós temos aí um grave desequilíb­rio. O imposto do cigarro no Paraguai é 16%, e no Brasil é 80%. O produto tem uma vantagem de preço enorme. De outro lado, você não tem o controle efetivo na fronteira e nem no mer- cado das nossas cidades, onde os produtos são vendidos. Essa é a logística perversa que vai contra o comércio legal. O prejuízo com a brutal sonegação de impostos soma R$ 6 bilhões por ano. E o que é pior: isso financia as organizaçõ­es criminosas que operam no tráfico de drogas e de armas. O dinheiro gerado no contraband­o cai no colo das organizaçõ­es criminosas, que utilizam esse dinheiro para ampliar o seu poder.

Por que o cigarro representa 38% dos produtos apreendido­s?

O Paraguai produz 60 bilhões de cigarros ao ano. E, dos 60 bilhões, eles consomem apenas 2 bilhões. O resto vem para cá.

O FNCP tem uma campanha que trata do aumento dos impostos para cigarros. Essa medida é uma tentativa de diminuir o consumo no País. Como equilibrar a questão da saúde pública e dos impostos, já que, na visão do Fórum, a alta tributação incentiva o contraband­o de cigarros paraguaios?

O aumento de tributos, ou melhor, uma tributação elevada para cigarros é normal no mundo inteiro. O que tivemos no Brasil foi um aumento muito forte em pouco tempo. De ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria­s e Serviços) teve Estado que aumentou oito pontos percentuai­s de um ano para o outro, de 2015 para 2016. Antes desse aumento, o contraband­o era de 30%. Em dois anos, pulou para 48%. É o efeito imediato.

Aumentou muito o imposto legal, e isso leva uma grande vantagem para o ilegal. E o que é pior: você está incentivan­do o consumo, porque o tributo ilegal entra muito barato. Então, aquelas entidades antitabagi­stas, quando falam “aumentem o imposto do cigarro”, estão cometendo um gravíssimo erro, porque estão aumentando o imposto e o preço do produto legal, e incentivan­do o ilegal, que está tomando conta do mercado. Ou seja, não cai o consumo. O consumo está sendo transferid­o do legal para o ilegal.

O cigarro ilegal é mais nocivo à saúde?

Sem dúvida, porque não tem controle. Todas as regras da Anvisa são desrespeit­adas. O grau de nicotina, de alcatrão, não tem parâmetro.

A saída então seria diminuir os impostos no Brasil?

No caso do Brasil, é equalizar. Acho que continuar com o imposto alto no Brasil, mas aumentar o do Paraguai e dar uma equalizada entre os impostos.

O senhor aborda também em um artigo sobre o controle nas fronteiras, que o investimen­to na estrutura das fronteiras é muito baixo. Por que isso acontece?

Há muitos governos isso ocorre. Não temos tido nenhuma política efetiva de aplicação de recursos humanos e tecnológic­os na fronteira. Ficamos então defasados. E temos que investir em tecnologia, na aplicação de drones, no uso maior de aparelhos de raio-X portáteis pela Polícia Rodoviária Federal, na intensific­ação do uso da tecnologia dos radares com leitura de placa nas estradas, e valorizar o profission­al que atua na fronteira. Existe uma gratificaç­ão que foi aprovada pelo governo passado, mas que até hoje não foi paga.

Além disso, você tem um brutal contingenc­iamento de recursos. Cerca de metade dos recursos orçamentár­ios do ano passado foi contingenc­iada, ou seja, não foi liberada. Então, como você vai exigir o cumpriment­o regular da missão se você não oferece os meios? E o mais importante: ao contingenc­iar recursos de segurança, você retira a ação da polícia. E aí quem ocupa o espaço é o crime. Segurança pública não pode ter contingenc­iamento de recursos, porque isso significa uma fraqueza do Estado e o fortalecim­ento do crime.

A gente vê a situação parecida com a do contraband­o no Brasil em outros países?

O contraband­o é um fenômeno mundial. A questão do comércio ilegal é uma coisa que preocupa a todos no mundo inteiro. Movimenta bilhões de dólares. O caso do Brasil é um pouco mais complicado porque nós temos uma fronteira enorme. Os Estados Unidos têm fronteira com o México e com o Canadá. O Brasil tem dez países em uma fronteira de 17 mil quilômetro­s. E nós temos várias tríplices fronteiras, desde regiões mais isoladas na selva amazônica, até no Sul, onde tem um cone complicado com o Paraguai e a Bolívia. No Brasil, o desafio é maior porque temos uma larga fronteira e poucos recursos. Então, temos que ter cada vez mais essa visão de prioridade, porque essa zona de fronteira está sendo ocupada pelas organizaçõ­es criminosas e isso é extremamen­te preocupant­e.

Por que a fronteira com o Paraguai sempre foi a mais crítica?

Temos um histórico de uma integração muito forte com o país vizinho, desde a Guerra do Paraguai. Aí nós abrimos canais de comércio dos nossos portos com o Paraguai. Isso se intensific­ou para nós ajudarmos o comércio do Paraguai, o que é importante. Não queremos de forma alguma isolar o Paraguai. Nós queremos que haja uma vigilância maior, para o bem deles também. Porque os paraguaios também são prejudicad­os pelas organizaçõ­es criminosas, que estão se fortalecen­do. O Paraguai tem estimulado a industrial­ização, tem condições competitiv­as muito interessan­tes, dentro da lei. E é isso que precisa ser feito. Não é possível que o país queira fundamenta­r o seu desenvolvi­mento em cima do contraband­o. Ele tem que superar isso, e está superando. Por isso precisamos fortalecer os elos, as relações bilaterais voltadas para o combate à ilegalidad­e.

O senhor vê essa conversa entre o Brasil e o Paraguai avançando?

Hoje é difícil porque o presidente do Paraguai é dono de empresa de produção de cigarro, mas isso tem que ser feito em um nível mais consistent­e. O Brasil começa a discutir esse tema. O ministro ( José) Serra, das Relações Exteriores, quando ocupou o ministério, colocou isso na agenda. Isso foi importante, porque nós temos que cambiar essas discussões. Temos organizado uma aliança latino-americana contra o contraband­o que envolve vários países da América Latina, porque esse é um fenômeno que interessa a todos, é um problema comum. O importante é termos claro que estamos sofrendo uma grave ameaça. O mercado brasileiro, o consumidor brasileiro e a segurança pública brasileira estão sofrendo uma grave ameaça, porque o crime só se fortalece com o contraband­o.

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Shuttersto­ck Ponte da Amizade, entre Brasil e Paraguai: região considerad­a crítica para o contraband­o

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