Folha de Londrina

A grande façanha dos meus heróis é fazer o certo sempre, anonimamen­te.

- AOS DOMINGOS PELLEGRINI

Neto pergunta quem é meu herói preferido, Batman ou Superman? Digo que deixei de ter heróis há muito tempo, daí vamos comer em pequeno restaurant­e popular aqui na vila, e eis que o sanitário cheira a limpeza e tem até fio dental. Então digo que tenho, sim, meus heróis.

Herói é quem abre restaurant­e, num bairro pobre, mas com até fio dental no sanitário.

Herói é o pai que sai de casa cedinho para trabalhar e só volta à noite, perguntand­o a cada um como foi seu dia e pronto para ouvir e conversar.

Heroína é a professora que prepara com amor suas aulas para turmas que trazem de casa revolta, descrença e outras mazelas da pobreza sem esperança.

Herói é o lixeiro que salta do caminhão para pegar pencas de sacos, alguns escorrendo chorume, e entretanto sorri dando bom dia.

Herói é quem insiste em separar o lixo, mesmo sabendo que a coleta não será seletiva.

Herói é o funcionári­o público que atende a todos com gentileza e presteza o tempo todo.

Heroína é a mulher que, no ônibus, pergunta alto se alguém está pensando que é fruta pra ser apalpada, porque, se fosse, seria abacaxi, então não bote mais a mão em mim!

Herói é o menino convidado a dar uma tragada no cachimbo, uma tragadinha só, pra ver como é bom, mas diz não, se isso fosse mesmo bom a primeira vez não precisava ser de graça.

Heroína é a menina que também diz às amigas não, não quero passar batom porque ainda sou criança.

Herói é o cidadão que paga 40% de imposto, embutido em tudo que compra, e pede CPF na nota fiscal para... pagar mais imposto com desconto.

Heroína é a moça que pede calma, calma aí, ou você põe camisinha ou vamos parar por aqui porque não quero ser mãe solteira.

Herói é o comerciári­o que toma ônibus lotado e vai apertado em pé, aguentando som alto e sacolejo de mil buracos, para chegar ao trabalho com bom humor para a freguesia.

Heroína é quem limpa, lava, passa, cozinha, arruma, sabendo que no dia seguinte terá de limpar, lavar, passar, cozinhar e arrumar, sem reclamar.

Herói é quem recebe proposta de propina e denuncia, até agora um tipo raro de herói, decerto porque pra gente assim não oferecem propina.

A grande façanha deles é fazer o certo sempre, anonimamen­te, sem nem pensar que, sem eles, nem existiria o que chamamos civilizaçã­o, essa construção dos heróis do dia a dia.

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André Eorges/ Agência Erasília

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