A difícil arte de julgar
O Poder Judiciário brasileiro talvez viva hoje o seu período de mais visibilidade. Nunca a população se interessou tanto pelos acontecimentos da toga quanto nesta época. Fruto da presença maciça da população nas redes sociais, da notícia instantânea nos smartphones, das condenações inéditas de políticos e colarinhos brancos, enfim, o fato é que o Judiciário é tema cotidiano dos jornais e telejornais.
Até mesmo as novelas, antes vivenciadas nos cajueiros baianos ou nas praias cariocas, se enveredaram para tramas jurídicas, com personagens que variam do delegado corrupto ao juiz justo; do advogado rico e bom vivant à advogada destemida e idealista. Espero que com o tempo os roteiristas façam uma melhor pesquisa de campo, a fim de que realidade do Judiciário seja mais bem retratada. A ficção estampada nas novelas pode ser, às vezes, uma má informação à população.
Esta exposição midiática intensa, fruto dos acontecimentos, faz com que a população aumente a crítica – no bom e no mau sentido – ao serviço dos juízes, a árdua e estressante tarefa de julgar.
Um dos expoentes dessas críticas – a do mau sentido – é o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Mendes é acusado constantemente de ser leniente com os bandidos, de soltá-los e permitir que respondam ao processo em liberdade. Mendes tem a característica de sustentar suas decisões publicamente, de dar entrevistas e, inclusive, escrever artigos em jornais defendendo seu ponto de vista. Esta atitude midiática do ministro é até criticada por outros juízes, que veem nesta atitude uma contrariedade à discrição que os magistrados devem ter e à regra de que devem somente se manifestar dentro dos autos do processo.
Da população em geral, então, o ministro do Supremo vem sendo comparado aos próprios corruptos (ou ao menos suspeitos de corrupção) que manda soltar. Há cotidianamente nas redes sociais, com acréscimo significativo a cada ordem de soltura, manifestações de desapreço ao ministro e às suas decisões. O ministro é talhado de contrassenso ao combate enérgico à corrupção encabeçada pelo Ministério Público.
Um juiz não pode estar sujeito às pressões sociais. Menos ainda um juiz da Suprema Corte. Se o juiz, ao decidir qualquer questão, sucumbisse às pressões, ainda teríamos penas baseadas na Lei de Talião. O limite de qualquer decisão é – e deve ser – a lei. No Supremo é a Constituição, a lei maior.
Essa pressão popular não é exclusividade do Brasil. Em outros países há, por vezes, decisões das Supremas Cortes que contrariam a maioria em prol de uma minoria. No caso Engel versus Vitale, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que era inconstitucional as orações que se realizavam em todas as escolas americanas diariamente. A decisão foi baseada na primeira emenda da Constituição americana que prega a liberdade religiosa, inclusive a liberdade de ser ateu.
Isso aconteceu nos anos 1960, quando a sociedade americana era bem mais conservadora do que hoje e houve protestos por muito tempo. Mesmo assim, o precedente prevaleceu e forma a sólida e respeitada jurisprudência ianque.
Quando se diz em decidir em favor de uma minoria contra a maioria, pode-se, inclusive, se referir a decidir a favor de uma única pessoa contra toda uma coletividade. Isto é a natureza do direito, em especial dos direitos individuais que, como o próprio nome diz, é direito da pessoa humana e, por isso, ocupa um espaço sagrado e seguro na Constituição brasileira. Os direitos individuais estão estabelecidos no artigo quinto da Constituição e são cláusulas pétreas, ou seja, não podem ser suprimidos por emendas constitucionais.
Mas de fato, nossa Constituição é liberal e garantista. Que bom que ela é assim. Mesmo com tanta garantia, ainda vemos condenações injustas, tortura, abuso de autoridade, e um sem número de atos ilegais e inconstitucionais que provocam a atitude do Poder Judiciário para frear estes atos. Quando o Judiciário é criticado por decisões que garantem um direito individual é um bom sinal. É sinal de que a força estatal, policial, ou de grupos econômicos, encontra um freio na caneta do juiz que faz a Lei e a Constituição ser cumpridas.
JOÃO EUGENIO FERNANDES DE OLIVEIRA é advogado em Londrina
Um juiz não pode estar sujeito às pressões sociais. Menos ainda um juiz da Suprema Corte”