A CIDADE FUTURA
CEBs são desdobramentos da resistência democrática ao regime civil-militar instaurado em 1964.
As CEBs são desdobramentos da resistência democrática no Brasil durante o regime civil-militar instaurado em 1964
PARA D. PEDRO CASALDÁLIGA
As relações entre pessoas e instituições sociais não são nem podem ser lineares. De modo abrangente, ocorrem disputas pelo acesso a incontáveis bens simbólicos e materiais. Em todas as fronteiras da atividade humana, existem sinalizações de um determinado tipo de poder em questão. A capacidade de influenciar e a abertura a ideias e posturas aproximam os desejos humanos na história.
No caso de uma instituição bimilenar como a Igreja Católica, as contradições saltam aos olhos. De um lado, as permanentes práticas de “centralização” da fé advindas da matriz romana; de outro, o trabalho de uma igreja ligada aos anseios reais dos sujeitos, vinculando múltiplas identidades, experiências históricas e urgências cotidianas. Foi essa busca por uma vida eclesial popular e cidadã que possibilitou, nos anos 1960, a criação das Comunidades Eclesiais de Base, as necessárias CEBs.
As CEBs são desdobramentos da resistência democrática no Brasil durante o regime civil-militar instaurado em 1964. Com origens na Ação Católica e na juventude operária e estudantil, elas são tributárias da abertura promovida pelo Concílio Vaticano II e da Teologia da Libertação, que ratificou a opção preferencial pelos pobres, assumindo a responsabilidade de estabelecer intersecções entre a vida pastoral e a experiência social. A expressão “eclecial”, aliás, vinda do latim “ecclesia”, significa “assembleia”, “agrupamento”.
A convicção da cidadania como questão central para a fé e a ação cristãs organizou e mobilizou as CEBs nas décadas seguintes. Nos anos 1970, surgiram os encontros intereclesiais, os quais, em diferentes cidades do país (em janeiro de 2018, a 14.ª edição foi em Londrina), reuniam diálogos e vivências de gente que nunca se cansou de sonhar com uma sociedade livre e justa. Mais tarde, nas décadas de 1980 e 1990, no turbilhão das difíceis conjunturas da vida nacional, as CEBs assumiram novos desafios, como a temática do ecumenismo (partilhas entre religiões e religiosidades); as questões de gênero (inclusão e respeito nos processos de socialização); a defesa do meio ambiente (fortes concepções sustentáveis, contra o consumismo e em favor de uma vida mais saudável e inteligente); a promoção da diversidade étnica e cultural (diferenças que possam, juntas, construir a igualdade).
As CEBs, nesse sentido, optaram pela reorganização ética e espiritual da Igreja Católica no Brasil, promovendo uma fé universal associada à causa dos subalternos. Para tanto, deu vez e voz a quem nunca pôde falar ou se revelar nos espaços públicos. Ao romper com o autoritarismo clerical e prestigiar uma interpretação bíblica mais solidária e humanizada, as CEBs despertaram reações previsíveis, cujo mantra é acusá-las de “políticas”. Ora, toda ação humana não é efetivamente “política”? O problema é que as CEBs não são adeptas da “política” de subsunção, censura e exclusão daqueles que as criticam. Isso, por si só, demonstra como as CEBs permanecem importantes no Brasil contemporâneo, mais do que nunca.