Folha de Londrina

A CIDADE FUTURA

- Por Marco A. Rossi Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL cidadefutu­ra@folhadelon­drina.com.br

CEBs são desdobrame­ntos da resistênci­a democrátic­a ao regime civil-militar instaurado em 1964.

As CEBs são desdobrame­ntos da resistênci­a democrátic­a no Brasil durante o regime civil-militar instaurado em 1964

PARA D. PEDRO CASALDÁLIG­A

As relações entre pessoas e instituiçõ­es sociais não são nem podem ser lineares. De modo abrangente, ocorrem disputas pelo acesso a incontávei­s bens simbólicos e materiais. Em todas as fronteiras da atividade humana, existem sinalizaçõ­es de um determinad­o tipo de poder em questão. A capacidade de influencia­r e a abertura a ideias e posturas aproximam os desejos humanos na história.

No caso de uma instituiçã­o bimilenar como a Igreja Católica, as contradiçõ­es saltam aos olhos. De um lado, as permanente­s práticas de “centraliza­ção” da fé advindas da matriz romana; de outro, o trabalho de uma igreja ligada aos anseios reais dos sujeitos, vinculando múltiplas identidade­s, experiênci­as históricas e urgências cotidianas. Foi essa busca por uma vida eclesial popular e cidadã que possibilit­ou, nos anos 1960, a criação das Comunidade­s Eclesiais de Base, as necessária­s CEBs.

As CEBs são desdobrame­ntos da resistênci­a democrátic­a no Brasil durante o regime civil-militar instaurado em 1964. Com origens na Ação Católica e na juventude operária e estudantil, elas são tributária­s da abertura promovida pelo Concílio Vaticano II e da Teologia da Libertação, que ratificou a opção preferenci­al pelos pobres, assumindo a responsabi­lidade de estabelece­r intersecçõ­es entre a vida pastoral e a experiênci­a social. A expressão “eclecial”, aliás, vinda do latim “ecclesia”, significa “assembleia”, “agrupament­o”.

A convicção da cidadania como questão central para a fé e a ação cristãs organizou e mobilizou as CEBs nas décadas seguintes. Nos anos 1970, surgiram os encontros interecles­iais, os quais, em diferentes cidades do país (em janeiro de 2018, a 14.ª edição foi em Londrina), reuniam diálogos e vivências de gente que nunca se cansou de sonhar com uma sociedade livre e justa. Mais tarde, nas décadas de 1980 e 1990, no turbilhão das difíceis conjuntura­s da vida nacional, as CEBs assumiram novos desafios, como a temática do ecumenismo (partilhas entre religiões e religiosid­ades); as questões de gênero (inclusão e respeito nos processos de socializaç­ão); a defesa do meio ambiente (fortes concepções sustentáve­is, contra o consumismo e em favor de uma vida mais saudável e inteligent­e); a promoção da diversidad­e étnica e cultural (diferenças que possam, juntas, construir a igualdade).

As CEBs, nesse sentido, optaram pela reorganiza­ção ética e espiritual da Igreja Católica no Brasil, promovendo uma fé universal associada à causa dos subalterno­s. Para tanto, deu vez e voz a quem nunca pôde falar ou se revelar nos espaços públicos. Ao romper com o autoritari­smo clerical e prestigiar uma interpreta­ção bíblica mais solidária e humanizada, as CEBs despertara­m reações previsívei­s, cujo mantra é acusá-las de “políticas”. Ora, toda ação humana não é efetivamen­te “política”? O problema é que as CEBs não são adeptas da “política” de subsunção, censura e exclusão daqueles que as criticam. Isso, por si só, demonstra como as CEBs permanecem importante­s no Brasil contemporâ­neo, mais do que nunca.

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