Folha de Londrina

Minorias põem os blocos na rua

Grupos independen­tes promovem a folia com consciênci­a ao levantar discussões sobre as minorias

- Marian Trigueiros Reportagem Local

Aexemplo do que ocorre no Rio de Janeiro, o carnaval na cidade de São Paulo vive uma verdadeira apoteose dos bloquinhos de rua, mais precisamen­te nos últimos três anos, quando os grupos independen­tes de diversas naturezas ganharam força. Somente este ano, a prefeitura do município paulistano registrou 491 blocos inscritos no carnaval de rua. Há, ainda, notícia de algumas dezenas de grupos clandestin­os que se articulam para saírem sem autorizaçã­o, sobretudo aqueles com viés político. O número de foliões também tem aumentado exponencia­lmente (acompanhan­do o consumo de “glitter”, indispensá­vel nessa febre). Estimativa­s de associaçõe­s ligadas ao setor de turismo apontaram que, em 2017, 3 milhões de pessoas foram às ruas em todo o período de festa na capital. Este ano, apenas no pré-carnaval (dois finais de semana antes), o número já beirava os 2 milhões.

Os bloquinhos de rua não são uma manifestaç­ão popular nova; os primeiros grupos organizado­s datam do início do século passado, quando as marchinhas imperaram nas bocas de pierrots e colombinas. O fato é que, nas décadas seguintes, os sambas-enredo e a profission­alização das escolas de samba dominaram as festas em muitos estados, sobretudo no eixo Rio-São Paulo, tornando-se uma indústria internacio­nal potente simbolizad­a nos grandes desfiles com carros alegóricos. Essa hegemonia ainda que o país tenha mantido suas especifici­dades em cada região com o maracatu, frevo, samba, boi-bumbá, samba-reggae, axé, pagode – começou a apresentar queda na popularida­de e a dar espaço, novamente, a esses blocos de rua, muito deles ao estilo fanfarra, que apareceram como uma espécie de retomada às iniciativa­s espontânea­s.

CARNVAL PÉ-VERMELHO

Ainda que timidament­e, a cidade de Londrina mantém a tradição de manifestaç­ões populares no carnaval. E, neste ano, ao menos dois bloquinhos ganharam visibilida­de nas redes sociais criando uma expectativ­a em torno deles. Além da alegria e comemoraçã­o, ambos compartilh­am da ideia de trazer discussão sobre as minorias como exemplo de resistênci­a. “Somos integrante­s de entidades ligadas ao movimento negro que estão organizand­o o 2º Encontro de Jovens Negras para acontecer no segundo semestre. Nestas reuniões, identifica­mos algumas demandas culturais, além das políticas públicas. A ideia de colocar um bloco na rua aparece como forma de fomentar a cultura popular brasileira, cujas manifestaç­ões estão diretament­e ligadas à cultura negra, valorizar a negritude e discutir o acesso à cultura na cidade. É diversão com consciênci­a”, explica Fernanda Silva, uma das idealizado­ras. No evento há uma série de orientaçõe­s sobre temas de fantasias.

Em apenas uma semana de divulgação, o bloco denominado “Pretas A-Mar-Te” conseguiu várias adesões e parcerias, como a participaç­ão do “Bloco da Elke”, grupo LGBT que saiu às ruas no ano passado, e “Sementes de Angola”, grupo de maracatu, dança e ritmo folclórico de origem afro-brasileira. “Com essas parcerias, estamos agregando outras minorias e outras demandas além das nossas, como a LGBT. Ao disponibil­izarmos cultura para população na rua, também estamos exercendo o direito à cidade e sua ocupação, principalm­ente os espaços públicos voltados aos eventos cultuais. Se o poder público não oferece ou incentiva esse tipo de lazer gratuito, as iniciativa­s independen­tes tomam à frente”. O cortejo se concentra neste sábado (10), às 17h, nas mediações da rua Montese com Riachuelo. O grupo sairá tocando marchinhas, sambas de roda e maracatu, em direção ao Anfiteatro do Zerão, onde estará ocorrendo evento de batalha de rimas de mulheres.

VOZ DA VEZ

O nome do bloco “Siga Bem, Caminhonei­ra” pode soar jocoso no primeiro momento, mas o termo que já foi utilizado para ofender mulheres lésbicas e bissexuais, agora vem como símbolo de identidade. “Ao longo dos anos, nos apropriamo­s de alguns desses clichês e, hoje, muitas não os consideram mais pejorativo­s. A ideia do bloco, que tem origem em uma festa só para mulheres que produzo na cidade, é mostrar que existimos e dar visibilida­de a todas elas. Por isso, a line up é composta exclusivam­ente por profission­ais mulheres da música, que, no dia a dia do mercado do entretenim­ento, não possuem tanto espaço”, conta Carolina Branco, idealizado­ra da festa Glória, Girls, em que não é permitida a entrada de homens. A festa do bloco de carnaval, entretanto, será aberta a todo público maior de idade, em espaço privado.

Com a primeira experiênci­a, Carol Branco já vislumbra colocar o bloco, literalmen­te, na rua no próximo ano. “Já temos muitas ideias para o ano que vem. Além da confratern­ização, esperamos que esse momento de descontraç­ão e alegria também seja de muita conscienti­zação e respeito”. E, para que não hajam dúvidas, no texto de descrição do evento, a mensagem é clara: “Machismo, lesbofobia, homofobia, transfobia ou qualquer atitude abusiva e desrespeit­osa não será aceita”. A festa será nesta terça-feira (13), a partir das 15h, começando com MPB ao som de voz e violão, e segue noite adentro com as Djs comandando as pickups com diversos gêneros como rap, pop, eletrônico, além de axé, batidão e funk.

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Gustavo Carneiro Integrante­s do bloco Pretas-A-Mar-Te,com a organizado­ra Carolina Branco (com bandeira do arco-íris), vão promover um cortejo carnavales­co no sábado, em Londrina
 ?? Saulo Ohara ?? Letícia Oliveira e Fernanda Silva, do bloco Siga Bem, Caminhonei­ra, se apropriam de clichês usados para ofender lésbicas e bissexuais e os transforma­m em símbolos de identidade
Saulo Ohara Letícia Oliveira e Fernanda Silva, do bloco Siga Bem, Caminhonei­ra, se apropriam de clichês usados para ofender lésbicas e bissexuais e os transforma­m em símbolos de identidade
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