Medicina ‘alternativa’ ajuda pacientes com dor crônica
Auriculoterapia, terapia comunitária, acupuntura e outras práticas integrativas têm sido usadas na saúde pública para provocar autoconhecimento e mudanças de hábitos
Com a agenda cheia de atendimentos de mulheres com queixas de dor crônica, a fisioterapeuta Maria Luiza Dal Col, da UBS (Unidade Básica de Saúde) do jardim Cafezal (zona sul de Londrina), percebeu que elas tinham em comum o fato de serem “viciadas” em trabalho doméstico. A rotina diária das cerca de 40 pacientes atendidas incluía arrastar móveis, esfregar o chão de joelhos e lavar roupas no tanque ao invés de usar máquina. Conforme relatou a fisioterapeuta, algumas trabalham como diaristas, realizam serviços domésticos na casa de outras pessoas e, quando chegavam nas próprias casas, não paravam de trabalhar até ver todo o serviço finalizado.
Como o tratamento individual não cessava as queixas, Dal Col decidiu criar um grupo de auriculoterapia e terapia comunitária para atendêlas, dentro do programa de PICs (Práticas Integrativas e Complementares) da secretaria municipal de Saúde. As modalidades de atendimento conhecidas como “medicina alternativa” estão disponíveis em 35 das 54 UBS de Londrina e incluem também acupuntura, homeopatia, dançaterapia, arterapia e meditação.
No grupo do Cafezal, a auriculoterapia é aplicada em complemento à terapia comunitária ofertada a cada 15 dias. “O maior objetivo é gerar conversa, levá-las a falar, repensar a rotina e mudar hábitos. O problema que identificamos neste grupo é a compulsão pelo trabalho”, destaca, lembrando que as práticas têm sido usadas com eficiência também no combate ao tabagismo, em alcoolistas e portadores de doenças crônicas como diabetes.
O tratamento através das PICs têm se mostrado eficiente para minimizar dor crônica, ansiedade, insônia, dor de estômago e depressão. “Percebi que essas mulheres compulsivas por trabalho, em geral, se desgastavam tanto porque não eram capazes de aceitar ajuda de familiares nos cuidados com a casa. Só a fisioterapia não resolve porque, quando melhoravam, elas voltavam a trabalhar com a mesma intensidade”, reforça.
Com o grupo, Dal Col consegue resultados efetivos atendendo mais pessoas em menos tempo. “Diante do padrão de comportamento da maioria, percebi que o apoio psicológico era fundamental para mudar hábitos”, conta ela, que tem o apoio dos agentes comunitários, dos profissionais da Atenção Básica e do Nasf (Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica) para levar adiante o trabalho com “medicina alternativa”.
Ao levá-las a perceber que as tarefas domésticas não precisam ser feitas com tamanha intensidade e que é importante aceitar ajuda para dar conta das mesmas, a equipe da UBS promoveu autoconhecimento nas pacientes e levou à reflexão sobre a importância de mudar a rotina e adotar novas dinâmicas familiares. “Elas diminuíram a carga de trabalho, passaram a se interessar por outras atividades prazerosas e reduziram as queixas de dor. Agora minha agenda está tranquila”, brinca.
IRERÊ
Na UBS do distrito de Irerê (zona sul), o médico Eduardo Minoru Shiratori agregou práticas da medicina chinesa ao atendimento em atenção primária e, com isso, tem conseguido reduzir a administração de remédios aos pacientes. “Uso acupuntura, auriculoterapia e ensino algumas práticas corporais para minimizar a dor de pacientes com dor crônica. Dessa forma, conseguimos diminuir o uso de medicamentos”, avalia.
Ele conta que os resultados são rápidos em uma parte dos pacientes, o que tem aumentado a demanda por esse tipo de tratamento. “As práticas integrativas funcionam porque promovem o autoconhecimento. O paciente consegue identificar o causador ou agravante do problema e, através da mudança de hábitos, consegue melhorar. É complementar à medicina tradicional baseada apenas na prescrição de medicamentos.”
INVESTIMENTO
A eficiência da metodologia se expressa no aumento de investimentos nesta modalidade. A secretaria municipal de Saúde triplicou, em 2017, o número de unidades básicas que ofertam as Práticas Integrativas e Complementares, com atendimento de mais de 4 mil pessoas. O objetivo é reconhecer, valorizar e incorporar as práticas ao cotidiano do SUS (Sistema Único de Saúde), oferecendo um atendimento integral ao usuário.
Atualmente, o serviço é ofertado em 35 UBS por mais de 50 profissionais como nutricionistas, fisioterapeutas, educadores físicos, médicos, enfermeiros, agentes comunitários de saúde, farmacêuticos e dentistas.
Segundo os dados da secretaria, 388 pacientes foram atendidos através de alguma prática integrativa na UBS Piza, por meio do Grupo de Dor. Na UBS Vivi Xavier foram 214 realizados atendimentos, sendo 84 no Grupo de Tabagismo e Outras Queixas.
Além disso, 45 pessoas foram atendidas no Grupo de Fisioterapia e 56 individualmente, na UBS Jardim Leonor. Na unidade básica do Eldorado foram 208 pacientes assistidos, entre atendimentos no consultório médico, no Grupo de Tabagismo e em domicílio. Outras 65 pessoas receberam atendimento pela fisioterapeuta na UBS San Izidro, também em grupo, e 112 na UBS Ernani Moura Lima.
De acordo com Jucelei Pascoal Boaretto, coordenadora do Programa de Terapia Comunitária Integrativa, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde foi instituída em 2006 pelo Ministério da Saúde e contempla 19 práticas. Em Londrina, as PICs são executadas desde 2002 e, atualmente, contemplam sete modalidades.
Ela lembra que o objetivo das práticas não é substituir a alopatia (sistema ou método de tratamento com o uso de remédios), mas resgatar o saber popular e complementar o trabalho desenvolvido pelos profissionais, oferecendo outras alternativas aos pacientes.