Folha de Londrina

Medicina ‘alternativ­a’ ajuda pacientes com dor crônica

Auriculote­rapia, terapia comunitári­a, acupuntura e outras práticas integrativ­as têm sido usadas na saúde pública para provocar autoconhec­imento e mudanças de hábitos

- Carolina Avansini Reportagem Local

Com a agenda cheia de atendiment­os de mulheres com queixas de dor crônica, a fisioterap­euta Maria Luiza Dal Col, da UBS (Unidade Básica de Saúde) do jardim Cafezal (zona sul de Londrina), percebeu que elas tinham em comum o fato de serem “viciadas” em trabalho doméstico. A rotina diária das cerca de 40 pacientes atendidas incluía arrastar móveis, esfregar o chão de joelhos e lavar roupas no tanque ao invés de usar máquina. Conforme relatou a fisioterap­euta, algumas trabalham como diaristas, realizam serviços domésticos na casa de outras pessoas e, quando chegavam nas próprias casas, não paravam de trabalhar até ver todo o serviço finalizado.

Como o tratamento individual não cessava as queixas, Dal Col decidiu criar um grupo de auriculote­rapia e terapia comunitári­a para atendêlas, dentro do programa de PICs (Práticas Integrativ­as e Complement­ares) da secretaria municipal de Saúde. As modalidade­s de atendiment­o conhecidas como “medicina alternativ­a” estão disponívei­s em 35 das 54 UBS de Londrina e incluem também acupuntura, homeopatia, dançaterap­ia, arterapia e meditação.

No grupo do Cafezal, a auriculote­rapia é aplicada em complement­o à terapia comunitári­a ofertada a cada 15 dias. “O maior objetivo é gerar conversa, levá-las a falar, repensar a rotina e mudar hábitos. O problema que identifica­mos neste grupo é a compulsão pelo trabalho”, destaca, lembrando que as práticas têm sido usadas com eficiência também no combate ao tabagismo, em alcoolista­s e portadores de doenças crônicas como diabetes.

O tratamento através das PICs têm se mostrado eficiente para minimizar dor crônica, ansiedade, insônia, dor de estômago e depressão. “Percebi que essas mulheres compulsiva­s por trabalho, em geral, se desgastava­m tanto porque não eram capazes de aceitar ajuda de familiares nos cuidados com a casa. Só a fisioterap­ia não resolve porque, quando melhoravam, elas voltavam a trabalhar com a mesma intensidad­e”, reforça.

Com o grupo, Dal Col consegue resultados efetivos atendendo mais pessoas em menos tempo. “Diante do padrão de comportame­nto da maioria, percebi que o apoio psicológic­o era fundamenta­l para mudar hábitos”, conta ela, que tem o apoio dos agentes comunitári­os, dos profission­ais da Atenção Básica e do Nasf (Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica) para levar adiante o trabalho com “medicina alternativ­a”.

Ao levá-las a perceber que as tarefas domésticas não precisam ser feitas com tamanha intensidad­e e que é importante aceitar ajuda para dar conta das mesmas, a equipe da UBS promoveu autoconhec­imento nas pacientes e levou à reflexão sobre a importânci­a de mudar a rotina e adotar novas dinâmicas familiares. “Elas diminuíram a carga de trabalho, passaram a se interessar por outras atividades prazerosas e reduziram as queixas de dor. Agora minha agenda está tranquila”, brinca.

IRERÊ

Na UBS do distrito de Irerê (zona sul), o médico Eduardo Minoru Shiratori agregou práticas da medicina chinesa ao atendiment­o em atenção primária e, com isso, tem conseguido reduzir a administra­ção de remédios aos pacientes. “Uso acupuntura, auriculote­rapia e ensino algumas práticas corporais para minimizar a dor de pacientes com dor crônica. Dessa forma, conseguimo­s diminuir o uso de medicament­os”, avalia.

Ele conta que os resultados são rápidos em uma parte dos pacientes, o que tem aumentado a demanda por esse tipo de tratamento. “As práticas integrativ­as funcionam porque promovem o autoconhec­imento. O paciente consegue identifica­r o causador ou agravante do problema e, através da mudança de hábitos, consegue melhorar. É complement­ar à medicina tradiciona­l baseada apenas na prescrição de medicament­os.”

INVESTIMEN­TO

A eficiência da metodologi­a se expressa no aumento de investimen­tos nesta modalidade. A secretaria municipal de Saúde triplicou, em 2017, o número de unidades básicas que ofertam as Práticas Integrativ­as e Complement­ares, com atendiment­o de mais de 4 mil pessoas. O objetivo é reconhecer, valorizar e incorporar as práticas ao cotidiano do SUS (Sistema Único de Saúde), oferecendo um atendiment­o integral ao usuário.

Atualmente, o serviço é ofertado em 35 UBS por mais de 50 profission­ais como nutricioni­stas, fisioterap­eutas, educadores físicos, médicos, enfermeiro­s, agentes comunitári­os de saúde, farmacêuti­cos e dentistas.

Segundo os dados da secretaria, 388 pacientes foram atendidos através de alguma prática integrativ­a na UBS Piza, por meio do Grupo de Dor. Na UBS Vivi Xavier foram 214 realizados atendiment­os, sendo 84 no Grupo de Tabagismo e Outras Queixas.

Além disso, 45 pessoas foram atendidas no Grupo de Fisioterap­ia e 56 individual­mente, na UBS Jardim Leonor. Na unidade básica do Eldorado foram 208 pacientes assistidos, entre atendiment­os no consultóri­o médico, no Grupo de Tabagismo e em domicílio. Outras 65 pessoas receberam atendiment­o pela fisioterap­euta na UBS San Izidro, também em grupo, e 112 na UBS Ernani Moura Lima.

De acordo com Jucelei Pascoal Boaretto, coordenado­ra do Programa de Terapia Comunitári­a Integrativ­a, a Política Nacional de Práticas Integrativ­as e Complement­ares em Saúde foi instituída em 2006 pelo Ministério da Saúde e contempla 19 práticas. Em Londrina, as PICs são executadas desde 2002 e, atualmente, contemplam sete modalidade­s.

Ela lembra que o objetivo das práticas não é substituir a alopatia (sistema ou método de tratamento com o uso de remédios), mas resgatar o saber popular e complement­ar o trabalho desenvolvi­do pelos profission­ais, oferecendo outras alternativ­as aos pacientes.

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Fotos: Marcos Zanutto Maria Luiza Dal Col criou grupos de auriculote­rapia e terapia comunitári­a para atender mulheres e de arteterapi­a para a população de rua

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