CLERO E SOCIEDADE
Polêmica envolvendo movimento da Igreja Católica em Londrina dividiu comunidade e levantou debate sobre a postura da instituição na sociedade
Polêmica envolvendo movimento da Igreja Católica em Londrina coloca em evidência debate sobre relação entre religião e política
Desde os seus primórdios, a Igreja Católica teve papel atuante junto a questões que não estão apenas restritas à religião. Seja na Idade Média, coma divisão da sociedade entre clero, nobreza e servos, ou na relação estreita com o Estado na época do Brasil colonial e imperial. Tantas décadas depois, esta conduta mudou de perfiles e manifesta de outras formas, o que muitas vezes gera a insatisfação de grupos conservadores ou liberais, principalmente em uma época de divi- sões políticas no País.
Recentemente, Londrina foi palco de uma polêmica. Durante a realização do 14º Interclesial das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), em janeiro, cartazes enaltecendo o PT (Partido dos Trabalhadores) e Lula levantaram o debate em torno da atuação da igreja. A Arquidiocese de Londrina e a orga ni- zação do evento trataram a atitude como isolada e provocada pelo gesto de poucos participantes, que foram repreendidos tempo depois do hasteamento das faixas. Também foi feito um minuto de silêncio pelo julgamento do ex-presidente, o que fez com que pessoas contrárias associassem as CEBs a partidos de esquerda.
Responsável por divulgar vídeos que viralizaram na internet e que reprovaram com veemência a suposta vinculação das CEBs com movimentos sociais e partidos, o jornalista e tradutor Bernardo Küster aponta que o ocorrido na cidade não foi pontual. “O problema central não é só as faixas. As CEBs, por si só, não têm caráter político, pois não foram criadas para este fim. Mas, foram absorvidas a partir de 1968 pelos movimentos de esquerda no Brasil e isto está registrado em vários testemunhos. Elas fizeram parte da fundação do PT e ajudaram na criação da CUT (Central Única dos Trabalhadores), MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e UGT (União Geral de Trabalhadores)”, elenca.
Para ele, o Interclesial produziu “uma série de estratégias políticas e isto se configura no uso da igreja como instrumento partidário”. “Em virtude do enfraquecimento da esquerda nacional, estão tentando se organizar por meio das CEBs, a utilizando como uma linha auxiliar importante”, acredita. “O partido tem fins políticos e que se restringem a este plano. Já a igreja não visa simplesmente uma salvação social, mas das almas. Então, limita a ação da igreja quando você partidariza.”
VERTENTES
De acordo com o padre Manoel Joaquim Rodrigues dos Santos, responsável pela paróquia Sant’Ana, na zona sul, Londrina recebeu o evento nacional de uma parcela específica que constitui a Igreja Católica. Ele exemplifica que estes grupos nasceram nos anos 1960 e 1970, no contexto de Ditadura Militar. “As CEBs estavam ligadas à es- querda porque no passado o PT acabou nascendo praticamente dentro deste ambiente. Porém elas vão muito além desta partidarização, pois representam a ponta da Igreja Católica, onde muitas vezes a coisa é mais difícil, como a luta pelos índios, terras, água e moradia”, expõe.
O sacerdote conta que no entender da Arquidiocese de Londrina, a reação das pessoas em relação aos fatos ocorridos foi desproporcional e demonstrou desconhecimento sobre o que é o lado social do catolicismo brasileiro. “A arquidiocese e a organização do evento deveriam ter previsto o uso político-partidário das CEBs”, avalia. “Por outro lado, a arquidiocese teve nas mãos a chance de explicar a Londrina inteira e aos paroquianos o que é este jeito diferente de ser igreja.”
Santos também reconhece que a Igreja Católica é constituída por duas vertentes, mas que isso não significa conservadores e liberais. “Existe aquela (vertente) mais moralizante, com o estabelecimento de normas e remetendo para uma dimensão mais intimista do relacionamento com Deus, como se Deus não pudesse se ‘sujar’ com a política, economia e vida familiar”, pontua. “Do outro lado existe uma corrente mais endossada pelo Papa Francisco, com uma espécie de visão mais atualizada, no sentido do evangelho de Cristo, sendo mais envolvida e maculada pela realidade do ser humano. Ou a Igreja Católica caminha com Francisco ou é melhor começar a rever uma série de coisas.”
A reportagem procurou o arcebispo de Londrina, dom Geremias Steinmetz, mas foi informada pela Pascom (Pastoral da Comunicação) que ele estaria em viagem e não poderia atender ao pedido de entrevista até o fechamento da reportagem. Em novembro do ano passado, quando completou três meses a frente da Arquidiocese de Londrina, o arcebispo comentou que encontrou uma comunidade católica dividida, na cidade. Durante o lançamento do Ano do Laicato (leigos), Steinmetz fez um pedido aos fiéis: “Os que estão muito lá na frente, que esperem um pouco. Já os que ficaram para trás, esses vão ter que acompanhar as mudanças. Tem fiéis com uma noção de catolicismo que não se encaixa mais nos tempos atuais.”
“Ou a Igreja Católica caminha com Francisco
ou é melhor começar a rever uma série de coisas”