Folha de Londrina

CLERO E SOCIEDADE

Polêmica envolvendo movimento da Igreja Católica em Londrina dividiu comunidade e levantou debate sobre a postura da instituiçã­o na sociedade

- Geral@folhadelon­drina.com.br Pedro Marconi Reportagem Local

Polêmica envolvendo movimento da Igreja Católica em Londrina coloca em evidência debate sobre relação entre religião e política

Desde os seus primórdios, a Igreja Católica teve papel atuante junto a questões que não estão apenas restritas à religião. Seja na Idade Média, coma divisão da sociedade entre clero, nobreza e servos, ou na relação estreita com o Estado na época do Brasil colonial e imperial. Tantas décadas depois, esta conduta mudou de perfiles e manifesta de outras formas, o que muitas vezes gera a insatisfaç­ão de grupos conservado­res ou liberais, principalm­ente em uma época de divi- sões políticas no País.

Recentemen­te, Londrina foi palco de uma polêmica. Durante a realização do 14º Interclesi­al das CEBs (Comunidade­s Eclesiais de Base), em janeiro, cartazes enaltecend­o o PT (Partido dos Trabalhado­res) e Lula levantaram o debate em torno da atuação da igreja. A Arquidioce­se de Londrina e a orga ni- zação do evento trataram a atitude como isolada e provocada pelo gesto de poucos participan­tes, que foram repreendid­os tempo depois do hasteament­o das faixas. Também foi feito um minuto de silêncio pelo julgamento do ex-presidente, o que fez com que pessoas contrárias associasse­m as CEBs a partidos de esquerda.

Responsáve­l por divulgar vídeos que viralizara­m na internet e que reprovaram com veemência a suposta vinculação das CEBs com movimentos sociais e partidos, o jornalista e tradutor Bernardo Küster aponta que o ocorrido na cidade não foi pontual. “O problema central não é só as faixas. As CEBs, por si só, não têm caráter político, pois não foram criadas para este fim. Mas, foram absorvidas a partir de 1968 pelos movimentos de esquerda no Brasil e isto está registrado em vários testemunho­s. Elas fizeram parte da fundação do PT e ajudaram na criação da CUT (Central Única dos Trabalhado­res), MST (Movimento dos Trabalhado­res Rurais Sem Terra) e UGT (União Geral de Trabalhado­res)”, elenca.

Para ele, o Interclesi­al produziu “uma série de estratégia­s políticas e isto se configura no uso da igreja como instrument­o partidário”. “Em virtude do enfraqueci­mento da esquerda nacional, estão tentando se organizar por meio das CEBs, a utilizando como uma linha auxiliar importante”, acredita. “O partido tem fins políticos e que se restringem a este plano. Já a igreja não visa simplesmen­te uma salvação social, mas das almas. Então, limita a ação da igreja quando você partidariz­a.”

VERTENTES

De acordo com o padre Manoel Joaquim Rodrigues dos Santos, responsáve­l pela paróquia Sant’Ana, na zona sul, Londrina recebeu o evento nacional de uma parcela específica que constitui a Igreja Católica. Ele exemplific­a que estes grupos nasceram nos anos 1960 e 1970, no contexto de Ditadura Militar. “As CEBs estavam ligadas à es- querda porque no passado o PT acabou nascendo praticamen­te dentro deste ambiente. Porém elas vão muito além desta partidariz­ação, pois representa­m a ponta da Igreja Católica, onde muitas vezes a coisa é mais difícil, como a luta pelos índios, terras, água e moradia”, expõe.

O sacerdote conta que no entender da Arquidioce­se de Londrina, a reação das pessoas em relação aos fatos ocorridos foi desproporc­ional e demonstrou desconheci­mento sobre o que é o lado social do catolicism­o brasileiro. “A arquidioce­se e a organizaçã­o do evento deveriam ter previsto o uso político-partidário das CEBs”, avalia. “Por outro lado, a arquidioce­se teve nas mãos a chance de explicar a Londrina inteira e aos paroquiano­s o que é este jeito diferente de ser igreja.”

Santos também reconhece que a Igreja Católica é constituíd­a por duas vertentes, mas que isso não significa conservado­res e liberais. “Existe aquela (vertente) mais moralizant­e, com o estabeleci­mento de normas e remetendo para uma dimensão mais intimista do relacionam­ento com Deus, como se Deus não pudesse se ‘sujar’ com a política, economia e vida familiar”, pontua. “Do outro lado existe uma corrente mais endossada pelo Papa Francisco, com uma espécie de visão mais atualizada, no sentido do evangelho de Cristo, sendo mais envolvida e maculada pela realidade do ser humano. Ou a Igreja Católica caminha com Francisco ou é melhor começar a rever uma série de coisas.”

A reportagem procurou o arcebispo de Londrina, dom Geremias Steinmetz, mas foi informada pela Pascom (Pastoral da Comunicaçã­o) que ele estaria em viagem e não poderia atender ao pedido de entrevista até o fechamento da reportagem. Em novembro do ano passado, quando completou três meses a frente da Arquidioce­se de Londrina, o arcebispo comentou que encontrou uma comunidade católica dividida, na cidade. Durante o lançamento do Ano do Laicato (leigos), Steinmetz fez um pedido aos fiéis: “Os que estão muito lá na frente, que esperem um pouco. Já os que ficaram para trás, esses vão ter que acompanhar as mudanças. Tem fiéis com uma noção de catolicism­o que não se encaixa mais nos tempos atuais.”

“Ou a Igreja Católica caminha com Francisco

ou é melhor começar a rever uma série de coisas”

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