Folha de Londrina

AVENIDA PARANÁ

- por Paulo Briguet

Um dia para rever lugares especiais na cidade de Araçatuba

Querida Mãe, Há exatos 30 anos, o Carnaval caiu na terceira semana de fevereiro. Eu tinha começado a estudar Filosofia na USP, e resolvi passar o feriado com meus primos, em outra cidade. Lembro que você estava me esperando em casa, e ficou muito chateada e triste com a minha ausência. Ah, Mãe, se eu pudesse fazer o tempo voltar, jamais teria ido pular o Carnaval longe de você!

Por isso, decidi fazer uma visita à nossa velha casa, onde você ficou me esperando em 1988. Foi, digamos assim, uma espécie de reparação do erro cometido por aquele rapaz no egoísmo de seus 18 anos incompleto­s.

Na última terça de Carnaval, com grande emoção, percorri as ruas de Araçatuba, cidade em que moramos tantos anos. Revi diversos lugares que marcaram nossas vidas. A Biblioteca Pública Rubens do Amaral, onde passei inúmeras tardes de adolescênc­ia. A réplica da Vitória de Samotrácia, estátua sem cabeça que lança um enigma eterno. O Colégio Anglo, hoje transforma­do em Teatro Castro Alves e Casa de Cultura, onde o bedel Claudinho dizia no final do intervalo: “Olha o sinal, olha o sinal!”. A Maternidad­e Santa Teresinha, hoje demolida e transforma­da em estacionam­ento, vizinha da casa de uma das minhas primeiras namoradas (por onde andará Gisele?).

Passei pelo portão do Colégio Nossa Senhora Aparecida (CNSA), onde você, Mãe, me encontrava todos os dias depois da aula. E ali, bem ao lado, tive um choque ao descobrir que não existe mais o Araçatuba Clube, onde frequentei tantas festas e tomei tantos porres homéricos, enquanto você me esperava com chá de boldo em casa... O velho Araçatuba Clube foi demolido para dar lugar a um imenso prédio.

Revi a Livraria Raízes, que também era um agitado “bar cultural”, onde a turma do Anglo se encontrava para discutir o futuro da revolução socialista... Hoje a Raízes virou um escritório de advocacia. Também reencontre­i o IE, onde você e o pai estudaram nos anos 50 sem se conhecer e muito menos sem saber que dividiriam uma

Um dia para rever os lugares especiais de minha juventude na cidade de Araçatuba”

vida inteira. Ali está o Monumento ao Estudante, a qual certa vez eu escalei de madrugada só para colocar uma garrafa de vinho em cima do livro...

As nossas antigas casas, na Rua Bernardino de Campos e na Rua Cristiano Olsen, continuam no mesmo lugar, embora a primeira tenha sido transforma­da em clínica médica. O Hospital Modelo, esqueleto de concreto na principal avenida da cidade, foi implodido há alguns anos, e hoje é apenas um terreno baldio.

Naquela cidade tão quente e tão calorosa, Mãe, descansa o seu corpo, mas a sua alma já pertence à eternidade. No final da tarde, pouco antes de me despedir, caiu uma chuva forte. Enquanto eu me protegia dos pingos, ocorreu-me a ideia de que eles poderiam ser as suas lágrimas. Mas as lágrimas humanas têm um gosto salgado. E Araçatuba, ao contrário, quer dizer “araçá doce” em tupi-guarani.

Foi bom rever o nosso doce lar, Mãe, e saber que você estará lá, no dia da ressurreiç­ão dos mortos.

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Paulo Briguet

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