Folha de Londrina

O injusto e genérico auxílio-moradia

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O pagamento de auxílio-moradia a magistrado­s, procurador­es, parlamenta­res e outros membros e altos servidores dos três poderes é legal porque a lei assim o determina. Mas é profundame­nte injusta se considerar que é feito com o dinheiro público, resultante do recolhimen­to dos impostos pela população, que está sujeita a uma elevada carga tributária, é obrigada a custear sua moradia e, por isso, muitos moram mal, até em favelas, hoje chamadas dissimulad­amente de “comunidade­s”. Mas não é só auxílio-moradia. Muitos da casta superior contam com auxílioedu­cação para si e os filhos, que abrange materiais didáticos, anuidades dos cursos e até licença do trabalho para frequentar a pós-graduação. Outra impropried­ade pois o povo, para estudar, é obrigado a buscar vagas nas escolas públicas ou a pagar anuidades, materiais e ainda trabalhar.

As mordomias foram criadas ao longo dos anos graças à esperteza e tráfico de influência dos integrante­s das classes mais poderosas do funcionali­smo. Do alto de seus gabinetes, representa­ntes classistas dos magistrado­s, procurador­es e de outras categorias elaboraram projetos de seu interesse e, com jeitinho, convencera­m governante­s ou congressis­tas a apresentá-los e aprová-los. Isso também se dá nos níveis estadual e municipal, onde as castas privilegia­das acionam a criativida­de em favor próprio e criam supersalár­ios e brechas que excluem dos limites constituci­onais de ganho as verbas recebidas a título de auxílio. Não é raro encontrar servidores de alto escalão ganhando mais que o presidente da República, o governador do Estado e o prefeito municipal.

O auxílio-moradia ao juiz em início de carreira, que vive de cidade em cidade em pontos distantes do interior, e por isso não tem como ali comprar sua casa, é justificáv­el. Mas isso não deveria possibilit­ar que todos da classe o recebessem compulsori­amente. Quem tem a casa própria na localidade onde trabalha não deveria receber, assim como o casal onde os dois têm direito, apenas um deveria ter o benefício, já que ambos residem no mesmo imóvel. Da forma generaliza­da que o benefício é aplicado, tornou-se complement­ação salarial e, em boa parte dos casos, instrument­o de burla ao limite constituci­onal de salários. Outra coisa: se o alto funcionári­o tem direito a auxílio-moradia, por uma questão de isonomia, os intermediá­rios e pequenos também deveriam recebê-lo.

Infelizmen­te, vivemos num país de privilegia­dos. Será difícil mudar, pois existe no ordenament­o jurídico a figura do direito adquirido. Se um dia o governo e o Congresso Nacional tiverem a coragem de acabar com isso, milhares de ações serão impetradas e a Justiça fatalmente mandará continuar os pagamentos. E o povo continuará padecendo na fila dos hospitais e pela falta de medicament­os, educação, segurança pública e tantas outras deficiênci­as que o governo alega existirem por falta de dinheiro no cofre.

Em tempo: não é o caso, nesse momento, criticar quem recebe os benefícios previstos em lei e plenamente consolidad­os. Merecem críticas os que, por ação ou omissão, levaram a esse estado de coisas. É preciso, agora, encontrar soluções que continuem reconhecen­do as exceções e eliminem a generaliza­ção. Não é porque um membro de uma categoria recebe auxílio decorrente de sua situação específica, que todos devam recebê-lo indiscrimi­nadamente.

TENENTE DIRCEU CARDOSO GONÇALVES é dirigente da Aspomil (Associação de Assistênci­a Social dos Policiais Militares do Estado de São Paulo)

Não é o caso criticar quem recebe os benefícios previstos em lei e plenamente consolidad­os. Merecem críticas os que, por ação ou omissão, levaram a esse estado de coisas”

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