Folha de Londrina

Dos candidatos sem partido

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Tramita no STF (Supremo Tribunal Federal), ao largo da população e de parte da imprensa, o recurso extraordin­ário com agravo 1.054.490 que, se provido, poderá alterar completame­nte o cenário político do País, porque criará a possibilid­ade de candidatos em eleições, desvincula­dos de qualquer partido – candidatur­as autônomas.

Pela CF (Constituiç­ão Federal), diz o inciso V do §3º do artigo 14, que a filiação política é requisito para uma candidatur­a. No entanto, essa “condição” constituci­onal estaria em desacordo com as diretivas da Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU (Organizaçã­o das Nações Unidas), também contrarian­do a Convenção de Viena dos Direitos dos Tratados e o Pacto Internacio­nal de Direitos Civis e Políticos, além do Pacto de San José.

É fato que são tratados assinados pelo Brasil, mas que não se submeteram ao §3º do artigo 5º da CF (votação em dois turnos, por três quintos em cada casa do Congresso – vide Emenda Constituci­onal 45/2.004), são apenas normas “supralegai­s”, não tendo poder de se sobrepor à nossa Constituiç­ão (derrogação).

Mas há uma pedra no sapato, e se chama Pacto de San José da Costa Rica. Isso porque esse pacto foi promulgado pelo Brasil pelo decreto 678 (06/11/1992), ou seja, antes de existir na Constituiç­ão a exigência do §3º do artigo 5º (de 2004). Dito de outra forma, o Pacto de San José teria status compatível com a Constituiç­ão, de modo que os pontos da Constituiç­ão contrários ao Pacto deveriam ser desconside­rados – derrogados.

Se analisado esse Pacto, os incisos I e II do artigo 23 não preveem a filiação partidária como motivo para permitir uma candidatur­a. Se o Pacto não condiciona, a Constituiç­ão também não o poderia. Logo, deveria ser considerad­o derrogado o inciso V do §3º do artigo 14 da CF.

Os defensores dos partidos alegam que esse Pacto, por ter sido recepciona­do pelo Congresso em 1992, deveria ser novamente referendad­o, em razão da Emenda Constituci­onal 45/2004.

E como pensa quem deve pensar sobre o assunto, que é o STF? Muitos devem se recordar que a previsão de prisão civil do depositári­o infiel, prevista no inciso LXVII do artigo 5º da CF, deixou de ser aplicada em razão da posição do STF, de desconside­rar essa norma e aplicar o Pacto de San José (HC 84.585 e Res 466.343 e 349.703), tornando sem efeito a Constituiç­ão neste ponto.

Mantido esse entendimen­to pelo STF, e estarão livres as pessoas para se candidatar­em sem partido. A propósito, o parecer 22.790, de outubro de 2017, oriundo do Ministério Público Federal, assinado nesse processo no STF pela procurador­a-geral Raquel Dodge, é exatamente nesse sentido. Atualmente, houve declaração de repercussã­o geral, aguardando-se designação de pauta de julgamento.

É inegável que caberá ao STF um juízo de conveniênc­ia política. E também devem ser virados os olhos para as PECs 07/2012 e 06 e 16 de 2015, que também preveem o chamado “candidato sem partido”, ainda que pendente de resultado no STF.

O fato é que o Brasil é um dos poucos países que ainda se agarra aos “partidos”. Macron foi eleito na França sem pertencer a nenhum partido, assim como Gauck na Alemanha. Apenas 09% dos países no mundo impedem candidatos sem partido.

Essa inovação permitiria que a sociedade organizada se livrasse dos grilhões dos mandantes dos atuais partidos, e pudesse estruturar candidatur­as livremente. Ou mesmo um cidadão isolado poderia iniciar sua empreitada. Bismarck já lembrava que: “Um grande estado não pode ser governado com base nas opiniões de um partido”.

Talvez, a solução para os escândalos políticos esteja muito próxima, e passe por apenas seis votos do STF.

Essa inovação permitiria que a sociedade organizada se livrasse dos grilhões dos mandantes dos atuais partidos, e pudesse estruturar candidatur­as livremente” ROBERTO DE MELLO SEVERO é advogado em Londrina

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