Folha de Londrina

Noel, sinonimo de samba

- Julio Maria Agência Estado

Oque, afinal, pode haver sobre Noel Rosa que ainda tenha o frescor da notícia? Qual reflexão não teria sido ainda feita sobre o homem que desenhou com linhas de cronista o samba como gênero urbano e eterno? O que mais falar de Noel quando ele teria 108 anos se não tivesse partido aos 27? É justamente a distância que parece colaborar para um entendimen­to mais preciso de como funcionou uma das cabeças mais estudadas por pesquisado­res da cultura popular. Uma lúcida abordagem disposta a avançar em um dos terrenos mais pisoteados dessa história vem agora em forma de programa de TV.

Uma série documental chamada “O Tempo e a Música” estreou na segunda-feira (26), às 21h, no Canal Arte 1. Serão oito episódios imersivos em vida e obra do chamado poeta da Vila. Zuza Homem de Mello fez a curadoria e a direção musical, trazendo jornalista­s, escritores e historiado­res para depoimento­s, gente como Haroldo Costa, Luiz Tatit, João Máximo e Luiz Antonio Simas. O Grupo Semente, criado e crescido na Lapa do Rio, faz, a cada episódio, uma nova roda de samba com um convidado diferente: Monarco, Maíra Freitas, Marcos Sacramento e Moyseis Marques estão entre eles.

O episódio de estreia, “Com Que Roupa?”, revolve a terra onde o mito surgiu para entender sua natureza. Uma verdadeira aula até para Zuza Homem de Mello, 84 anos. “Agora eu posso dizer que conheço Noel Rosa.” Os depoimento­s falam da “primeira invasão nordestina ao Sul”, nos anos 1920, enquanto Noel sai das fraldas. Os ritmos nordestino­s serão logo absorvidos pelo compositor, antes que ele faça a transição para o samba por meio dos primeiros desenhos que o gênero passa a ganhar. Há histórias mais conhecidas, mas incontorná­veis, como o nascimento dias antes do Natal (por isso o nome Noel) traumático e a fórceps que vai compromete­r seu queixo para sempre, embora não haja relatos de que ele tivesse problemas psicológic­os com isso.

Alguns falam da contextual­ização geográfica definitiva na criação artística de Noel. Vila Isabel, a antiga Fazenda do Macaco, deveria ter o metro quadrado mais caro do Rio se o preço fosse relativo ao valor cultural. Era próximo ao Salgueiro, à Mangueira, ao Estácio. “Havia um caldeirão musical no Rio na época de Noel, e ele vai viver nesse caldeirão”, diz o pesquisado­r e professor Luiz Antonio Simas.

Aos poucos, Noel vai sendo seduzido pela música urbana e passa a fazer parte do Bando de Tangarás, com Almirante (um de seus fundadores, em 1929) e João de Barro, o Braguinha (então cantor e violonista). É de impression­ar o único registro em vídeo de Noel em ação, tocando a música “Vamos Falar do Norte”, ao lado do Bando, ele então com 18 anos e considerad­o apenas “um bom violonista”.

Ao ser perguntado pelo jornal “O Estado de S. Paulo” se, mesmo com tantos anos de estudos e livros lançados sobre o assunto, algo ainda o surpreendi­a em uma série como essa, Zuza respondeu: “Vários detalhes em todos os episódios me trouxeram novidades, mas sobretudo dois: o primeiro, a pergunta por que Noel teria deixado tantas músicas em um período tão curto?” Sua morte foi aos 26 anos, por tuberculos­e. Uma das respostas, ele diz, será dada por Luiz Tatit em um dos episódios. “Noel assinou muitas composiçõe­s

em parcerias com sambistas do morro, pegando músicas e compondo a segunda parte. Essas músicas precisavam de uma segunda parte para entrar em disco, e era Noel quem fazia isso”, diz Zuza. Um outro dado surge ou é reforçado também pela pesquisa, como diz Zuza. “Noel

Uma primeira ideia da produção era contar com nomes grandes, como o de Maria Bethânia, mas Zuza aos poucos foi convencend­o os realizador­es da produtora Cine Group de que medalhões poderiam compromete­r o resultado que ele esperava. “Artistas grandes, a partir de um momento de suas carreiras, passam a sobrepor suas personalid­ades às das intenções dos compositor­es. E isso não era interessan­te nesse caso.”

Assim, o Grupo Semente acompanha primeiro Bruno Barreto, que tem uma interpreta­ção elegante e cheia de carisma. Moyseis Marques, outro nome que canta com Noel nas veias, faz uma entrega magistral em “Gago Apaixonado”, de 1931. “Imagino o que teria feito se tivesse vivido mais”, comenta Moyseis. Em outro momento, ele fala sobre as particular­idades de se cantar samba-canção, um gênero que acaba de ser retratado pelo próprio Zuza no livro Copacabana. “Como é difícil cantar samba-canção. Ele é mais lento, tem a respiração, a dinâmica. A afinação tem de ser precisa porque, com o tempo mais longo, dá pra se perceber mais os erros.”

Simas fala também em suas entrevista­s de um período de Noel que ele chama de transitóri­o, pela primeira metade dos anos 1930, quando surge “Com Que Roupa?” (1936) “Noel estava na transição, vendo que não seria mesmo médico e querendo viver o mundo do samba.” “Com que roupa?” era uma gíria da época para designar momento de absoluta dureza financeira e vai comprovar a habilidade cronista do compositor. Simas fala ainda da curiosa acusação de emulação da melodia do Hino Nacional Brasileiro na estrutura desse samba. “É também o encaixe surpreende­nte entre a melodia e o texto de Noel”, diz sobre as resoluções da música.

 ?? Imagem: Biblioteca Digital Luso Brasileira ?? Noel Rosa (à direita) com Marília Batista ao violão e outros músicos (1937)
Imagem: Biblioteca Digital Luso Brasileira Noel Rosa (à direita) com Marília Batista ao violão e outros músicos (1937)
 ??  ?? l Rosa: nome se deve ao fato de ter co antes do Natal, sambista morreu precocemen­te aos 27 anos
l Rosa: nome se deve ao fato de ter co antes do Natal, sambista morreu precocemen­te aos 27 anos

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil