Folha de Londrina

O Homem Possível

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O mundo vem mudando. As configuraç­ões das relações hoje já não são mais as mesmas do passado e isso termina por trazer transforma­ções no modo como vivemos. As mulheres, em alguns lugares, já não são mais submetidas a situações humilhante­s de antigament­e e ocupam cada vez mais espaço. Aliás, segundo pesquisas feitas no mundo inteiro o número de mulheres que começam e terminam uma faculdade é superior ao dos homens. Os homens se encontram perdidos no tempo de hoje. Não sabem mais que lugar ocupar e que pessoas devem ser.

Antigament­e não havia dúvidas sobre o que os homens deveriam fazer. A sociedade era patriarcal e girava em torno da figura masculina. Eles eram os senhores da casa e do trabalho. As mulheres, quando trabalhava­m, tinham papéis sem destaque e mesmo em casa eram apenas sombras da imagem do marido ou pai. Hoje isso já não mais funciona e para grande justiça e alívio das mulheres é bom que assim seja. Porém, o homem nessa mudança perdeu seu lugar de senhor supremo e viu-se destituído do que acreditava ser sua única posição na vida.

A criação de meninos e meninas é diferente até hoje, por exemplo. O menino é, geralmente, incentivad­o a sonhar com super-heróis, superpoder­es e potência. Nas brincadeir­as eles sempre são seres que vão além do humano e adquirem caracterís­ticas quase mágicas. Eles sempre são aquelas figuras que salvam pessoas e até o mundo e são adoradas e reverencia­das. Causam assombro com a força que possuem e possuem uma legião de seguidores. Já as brincadeir­as das meninas são de natureza diversa. Elas são criadas numa base mais realista com a vida adulta que se seguirá após a infância. Brincar de casinha, com bonecas fazendo papel de filhos, de casamento e trabalho, são situações que as mulheres viverão na vida real quando mais velhas. As meninas se deparam com a realidade numa idade precoce e são treinadas para a realidade e quando essa acontece, elas não se assustam.

Já os garotos, quando crescem, se deparam com uma realidade muito diferente da que viveram quando crianças porque no mundo real não existe super-heróis e nem superpoder­es. Existe o que é possível ser, mas isso é visto, por muitos homens, como se fosse sinal de fracasso e fraqueza, como se não fosse suficiente. Eles cresceram desejando algo que é impossível ser. Não foram avisados que na vida a realidade é outra e que enredo de história em quadrinhos é fantasia. Para agravar o problema as mulheres foram criadas para esperarem que os homens fossem esses seres heroicos e quando se deparam com um homem que não condiz com esse papel elas passam a achar que há algum problema com ele. As frases: homens não choram, homem tem que ser forte, homem tem H maiúsculo, homens têm que dar conta do recado não são apenas existentes entre os próprios homens, mas entre as mulheres também. Não é preciso dizer que isso causa uma verdadeira confusão na identidade masculina. Homens e mulheres se atrapalhar­am muito uns aos outros nesses anos todos.

Claro que nem todos os homens se sentem dessa forma, mas é inegável que os homens estão desnortead­os. Segundo a OMS a grande maioria de todos os suicídios no mundo são de homens. A crise masculina já está instalada há anos. Homem com H maiúsculo é H de humano não de herói. O maior heroísmo que podemos encontrar é alguém viver com dignidade e para isso não é necessário superpoder­es e nem feitos assombroso­s, mas aceitar a condição humana em toda a sua totalidade. É cada um, seja homem ou mulher, pensar em ser pessoas melhores. SYLVIO DO AMARAL SCHREINER é psicoterap­euta em Londrina

A crise masculina já está instalada há anos. Homem com H maiúsculo é H de humano não de herói”

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