Mais comprometimento e menos lucro
Neste domingo, a tevê mostra ao vivo a entrega do mais badalado prêmio do cinema mundial; medidas de segurança foram tomadas para evitar falhas grosseiras
Desde 2011, os candidatos ao Oscar de melhor filme não tinham arrecadado tão pouco nos EUA, ficando abaixo dos 700 milhões de dólares. Razões: sete dos nove títulos nominados nasceram de produtoras menores, autênticos produtos indie, como “A Forma da Água” (filmada com quase nada antes de ser vendida e distribuída pela Fox) e “Lady Bird”. Dos concorrentes, somente “Dunquerque” e “Corra !” superaram os U$100 milhões. A Academia esperava que a partir de 2009 chegassem filmes mais populares e mais rentáveis. Nem os filmes baseados em comics deram as caras na premiação deste ano, como “Mulher Maravilha” - aparecendo como líder de uma revolução feminina que não aconteceu - e “Logan”, este com o trunfo de uma candidatura de melhor roteiro adaptado.
Mas há dados econômicos que ligam o cinema ao seu conteúdo social. Em 2017, “Moonlight” se converteu no segundo filme vencedor com a menor bilheteria da história dos prêmios (28 milhões de dólares). Isso é bom ou ruim? Depende, porque os prêmios não estão aí para celebrar as maiores bilheterias, mas para reconhecer o valor cinematográfico. Mas por outro lado, os executivos da ABC, rede televisiva que transmite a cerimônia para o mundo, sempre tremem com uma possível baixa audiência da gala. E, além disso, o temor confirma a tendência iniciada nos anos 1980, quando os adultos começaram a esvaziar as salas que passaram a ser alvo preferencial dos adolescentes. Há seis décadas, os grandes títulos de maior qualidade coincidiram com a maior arrecadação, foram produzidos pelas ‘major’ de Hollywood e premiados com o Oscar. Hoje não é mais assim.
Nesta edição, os nove candidatos ostentam um claro comprometimento social que, mesmo não sendo sua principal motivação, aparece de uma ou de outra forma. Isto está muito claro em “Corra!”, que apesar de sua embalagem de terror fala do racismo nas altas rodas nos Estados Unidos; e em “Três Anúncios para um Crime”, a original tragicomédia que radiografa a América profunda. Por este território caminha também “Lady Bird”: pode não ser a mais ou menos fiel transposi- ção da vida de sua diretora, Greta Gerwig, mas descreve um tempo e um lugar precisos, retratando classes sociais e situações.
DISCURSOS SOCIAIS
“Me Chame pelo Seu Nome”, mesmo sendo história romântica, fala de amor homossexual, sobre a aceitação de quem somos e como somos num específico extrato social. Algo parecido ocorre em “A Forma da Água”: um filme realizado em múltiplas camadas, um terror que esconde um conto de fadas que esconde um thriller sobre a guerra fria que esconde uma reflexão sobre os outros, os “diferentes”, os excluídos, os imigrantes. Um claro discurso social em tempos de Trump. Tanto “Dunquerque” como “O Destino de Uma Nação” refletem fatos históricos, quase o mesmo fato histórico, crucial e curioso: foi a derrota mais charmosa, o momento em que um país decidiu ressurgir das cinzas. O olhar histórico e humano que ambos os filmes lançam ao esforço coletivo, à união social de um povo é o que torna grandes esses dois momentos de narrativa cinematográfica. E a partir dos arquivos secretos (e malditos) do Pentágono , Steven Spielberg explica que fez “The Post – A Guerra Secreta” em ritmo de urgência porque sentiu que era uma história necessária para os tempos sociais e políticos, essa nossa hora mais escura. Se é Spielberg quem diz, dito está.
2017 entrou para a história da Academia como um ano para esquecer. Uma falha (humana) indesculpável levou um assustado Warren Beatty a proclamar “La La Land” como vencedor do Oscar de melhor filme, em vez de “Moonlight”. Embora hoje se recorde o erro como o melhor momento da noite e seja considerado com “uma das glórias da televisão ao vivo”, a Academia e a auditoriaPricewaterhouseCoopers criaram um novo protocolo para evitar qualquer deslize. E o ponto mais importante é que todos os funcionários da PwC não poderão usar celulares e nem redes sociais durante a cerimônia – o erro foi causado pela distração fatal de um dos assessores de palco, que trocou os envelopes mais importantes da noite.
Assim, se houver surpresas na revelação dos resultados, elas correrão por conta das decisões tomadas pelos 7.258 acadêmicos com direito a voto e que enviaram suas escolhas para apuração até a última quarta-feira.