As dinastias políticas e a Reforma da Previdência
A Reforma da Previdência se impõe na agenda política brasileira. Antes fosse um luxo do ponto de vista político, uma excentricidade, uma trama diabólica que ameaça os trabalhadores mais pobres. Na verdade, é apenas um meio de gastar o dinheiro público de uma forma mais racional e equilibrada, de garantir a integridade do Estado e nossa viabilidade econômica.
Ela é, portanto, inadiável, tecnicamente incontestável e politicamente saudável.
Até mesmo a bancada oposicionista do Congresso não tem justificativas para impedir este avanço na agenda nacional. Não aprová-la é brincar com fogo, é condenar o País ao colapso financeiro, estrutural e humano.
Adormecer esta vontade é optar pela irresponsabilidade. Os termos continuam os mesmos, as ameaças não foram afugentadas. Os contrarreformistas continuam brigando com os fatos. A população prossegue acrescentando mais longevidade a cada geração, com a massificação da maternidade tardia e com a contínua queda no índice de natalidade, fenômenos demográficos que já se repetiram em outros países e que ainda vão atingir seu ápice no Brasil.
Há outros aspectos que não são razoáveis, insisto, nem mesmo quando analisado por um representante oposicionista no Legislativo.
A diferença entre a média da aposentadoria do setor privado e a média do setor público é constrangedora e alcança algo em torno de 500%. É talvez uma das nossas mais flagrantes injustiças sociais, alimento do monstro chamado déficit público.
Praticamente, o texto da reforma mantém todos os direitos já concedidos aos atuais aposentados e pensionistas. O ajuste proposto respeita um período de transição até que comece a reduzir as distorções paulatinamente.
A dificuldade do governo em colocar a matéria em pauta e conseguir os votos necessários parece estar relacionada, a meu ver, a uma triste justificativa, cruel com o nosso futuro. Creio que estamos diante de uma motivação nada republicana para este arquivamento. A manutenção dos privilégios de uma aristocracia que vive nos cargos públicos, que ocupa espaços estratégicos nos três poderes.
A prática transfere cargos e privilégios de pai para filho, de tio para sobrinho, de irmão para irmão, de marido para esposa... e por aí vai. São autênticas dinastias, uma adaptação do conceito de capitanias hereditárias e de todo o patrimonialismo colonialista que se enraizou nestas terras com a chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro de 1808. É preocupante perceber que após 33 anos de governos civis nada disso tenha mudado substancialmente. A aristocracia pública segue se servindo do Estado ao invés de cumprir exatamente o papel oposto, como era de se esperar neste nosso lento processo de amadurecimento. Se um determinado projeto afeta a cesta de privilégios que será desfrutada pelos familiares mais jovens lá na frente, é melhor barrar. Dane-se o interesse nacional.
Muitos já lembraram esta contradição de ser um servidor público sem uma consciência altruísta. O filósofo londrinense Mário Sérgio Cortella, por exemplo, diz que “um poder que se serve, em vez de servir, é um poder que não serve”.
Em passagens do Novo Testamento, Jesus Cristo vaticinava os atuais desvios éticos dos nossos homens públicos, exaltando o que deveria nos influenciar neste momento desolador, o que nos salvaria da possibilidade de ruína: “Pois, o Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir, e para dar a sua vida como resgate em favor de muitos.”.
Vivemos um ano eleitoral e esta reflexão que proponho é uma base para acertos em votos racionais ou instintivos. Sim, podemos mudar nossa cultura política. Isso acabará acontecendo gradualmente se os eleitores não desperdiçarem a chance sagrada do voto, oportunidade única para escolher um servidor de fato, alguém que tenha a vocação de pensar mais no bem estar da coletividade a curto e longo prazo, rechaçando os que usam bravatas para garantir a manutenção dos seus privilégios e os interesses do clã que representa. Em suma: só o voto responsável é capaz de eleger homens públicos responsáveis e consequentes com o nosso futuro. Que os eleitores apurem o faro para escapar das armadilhas demagógicas.
Só o voto responsável é capaz de eleger homens públicos responsáveis e consequentes com o nosso futuro”