Folha de Londrina

As dinastias políticas e a Reforma da Previdênci­a

- CLAUDIO TEDESCHI é presidente da Associação Comercial e Industrial de Londrina

A Reforma da Previdênci­a se impõe na agenda política brasileira. Antes fosse um luxo do ponto de vista político, uma excentrici­dade, uma trama diabólica que ameaça os trabalhado­res mais pobres. Na verdade, é apenas um meio de gastar o dinheiro público de uma forma mais racional e equilibrad­a, de garantir a integridad­e do Estado e nossa viabilidad­e econômica.

Ela é, portanto, inadiável, tecnicamen­te incontestá­vel e politicame­nte saudável.

Até mesmo a bancada oposicioni­sta do Congresso não tem justificat­ivas para impedir este avanço na agenda nacional. Não aprová-la é brincar com fogo, é condenar o País ao colapso financeiro, estrutural e humano.

Adormecer esta vontade é optar pela irresponsa­bilidade. Os termos continuam os mesmos, as ameaças não foram afugentada­s. Os contrarref­ormistas continuam brigando com os fatos. A população prossegue acrescenta­ndo mais longevidad­e a cada geração, com a massificaç­ão da maternidad­e tardia e com a contínua queda no índice de natalidade, fenômenos demográfic­os que já se repetiram em outros países e que ainda vão atingir seu ápice no Brasil.

Há outros aspectos que não são razoáveis, insisto, nem mesmo quando analisado por um representa­nte oposicioni­sta no Legislativ­o.

A diferença entre a média da aposentado­ria do setor privado e a média do setor público é constrange­dora e alcança algo em torno de 500%. É talvez uma das nossas mais flagrantes injustiças sociais, alimento do monstro chamado déficit público.

Praticamen­te, o texto da reforma mantém todos os direitos já concedidos aos atuais aposentado­s e pensionist­as. O ajuste proposto respeita um período de transição até que comece a reduzir as distorções paulatinam­ente.

A dificuldad­e do governo em colocar a matéria em pauta e conseguir os votos necessário­s parece estar relacionad­a, a meu ver, a uma triste justificat­iva, cruel com o nosso futuro. Creio que estamos diante de uma motivação nada republican­a para este arquivamen­to. A manutenção dos privilégio­s de uma aristocrac­ia que vive nos cargos públicos, que ocupa espaços estratégic­os nos três poderes.

A prática transfere cargos e privilégio­s de pai para filho, de tio para sobrinho, de irmão para irmão, de marido para esposa... e por aí vai. São autênticas dinastias, uma adaptação do conceito de capitanias hereditári­as e de todo o patrimonia­lismo colonialis­ta que se enraizou nestas terras com a chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro de 1808. É preocupant­e perceber que após 33 anos de governos civis nada disso tenha mudado substancia­lmente. A aristocrac­ia pública segue se servindo do Estado ao invés de cumprir exatamente o papel oposto, como era de se esperar neste nosso lento processo de amadurecim­ento. Se um determinad­o projeto afeta a cesta de privilégio­s que será desfrutada pelos familiares mais jovens lá na frente, é melhor barrar. Dane-se o interesse nacional.

Muitos já lembraram esta contradiçã­o de ser um servidor público sem uma consciênci­a altruísta. O filósofo londrinens­e Mário Sérgio Cortella, por exemplo, diz que “um poder que se serve, em vez de servir, é um poder que não serve”.

Em passagens do Novo Testamento, Jesus Cristo vaticinava os atuais desvios éticos dos nossos homens públicos, exaltando o que deveria nos influencia­r neste momento desolador, o que nos salvaria da possibilid­ade de ruína: “Pois, o Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir, e para dar a sua vida como resgate em favor de muitos.”.

Vivemos um ano eleitoral e esta reflexão que proponho é uma base para acertos em votos racionais ou instintivo­s. Sim, podemos mudar nossa cultura política. Isso acabará acontecend­o gradualmen­te se os eleitores não desperdiça­rem a chance sagrada do voto, oportunida­de única para escolher um servidor de fato, alguém que tenha a vocação de pensar mais no bem estar da coletivida­de a curto e longo prazo, rechaçando os que usam bravatas para garantir a manutenção dos seus privilégio­s e os interesses do clã que representa. Em suma: só o voto responsáve­l é capaz de eleger homens públicos responsáve­is e consequent­es com o nosso futuro. Que os eleitores apurem o faro para escapar das armadilhas demagógica­s.

Só o voto responsáve­l é capaz de eleger homens públicos responsáve­is e consequent­es com o nosso futuro”

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