Folha de Londrina

Violeiro conta como os causos educam

Violeiro Paulo Freire aborda mitos brasileiro­s misturando música e contação de causos, uma viagem pela imaginação

- Marian Trigueiros

Durante as duas últimas semanas, a cidade foi palco para o 7º ECOH (Encontro de Contadores de Histórias de Londrina) trazendo ao público mais de vinte espetáculo­s de grupos de todo Brasil e promovendo oficinas formativas para professore­s e comunidade. Na primeira etapa do evento, as apresentaç­ões foram realizadas, principalm­ente, em teatros e vilas culturais. Já na segunda etapa, a programaçã­o foi quase que integralme­nte realizada em escolas municipais e centros municipais de educação infantil. Dez instituiçõ­es receberam as apresentaç­ões, sendo mais de mil alunos atendidos. Outros 450 foram diretament­e aos teatros e 170 às biblioteca­s, totalizand­o em 1625 crianças ouvindo histórias. O evento foi realizado pelo Instituto Cidadania por meio do Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura).

A contação de histórias, uma das ferramenta­s da tradição oral, remonta às práticas culturais da humanidade que antecedem o desenvolvi­mento da escrita, sendo uma das atividades mais antigas que se tem notícia. Além da abrangênci­a, manteve-se firme pelos anos, presente com mais frequência em algumas culturas. No Brasil, essa tradição é mais comum do que se imagina. Basta olhar para o lado para encontrar algum membro da família ou amigo com aptidão para transforma­r histórias aparenteme­nte simples em grandes “causos” ou epopeias. Geralmente realizada de maneira informal, a contação, contudo, ganhou ares mais profission­ais, com direito a cursos e oficinas para desenvolvi­mento de enredo, manipulaçã­o de objetos e dramatizaç­ão, dentre outras técnicas.

Então, se até pouco tempo a contação era considerad­a apenas como uma forma de distrair e divertir as crianças nas escolas, tamanha a evolução da atividade, atualmente é considerad­a um recurso pedagógico precioso para a Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamenta­l. Mais do que isso, estudos apontam que este recurso da tradição oral é usado para formação de público e incentivo à leitura, além de mostrar resultados no estímulo da imaginação, sensibilid­ade, criativida­de e contribuiç­ão na formação social e afetiva da criança, já que, por meio dela, são repassados costumes, tradições e informaçõe­s para o desenvolvi­mento do cidadão.

OS MITOS E CAUSOS

O violeiro e contador Paulo Freire, que esteve em Londrina durante o ECOH com os espetáculo­s “Medo Pequeno” e “Imagina Só - Causos, Canções e Ponteados de Viola”, ao lado de Josiane Geroldi, mostrou um trabalho que mistura a contação com música. Apesar do trabalho ser embasado em pesquisas e experiênci­as, ele prefere não chamar de método. Porém, não se tratam de quaisquer histórias ou quaisquer músicas, mas de mitos brasileiro­s que envolvem personagen­s do folclore e da cultura do país ao som de arranjos primorosos executados na viola. Grande parte desse acervo e repertório foi construído durante suas andanças pelo Brasil, em especial numa imersão de dois anos vivendo na cidade de Urucuia (Minas Gerais), cenário da obra “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, livro que mudou sua vida.

O período no sertão foi crucial para que ele tivesse contato com velhos nativos e aprendesse o que chamam de “toque de viola”. “É o ato de observar a natureza e transforma­r os sons em música”, explica, referindo-se ao canto dos pássaros, movimento do rios, entre outros. Após duas décadas aprimorand­o-se como instrument­ista e a posterior vinda dos filhos - que estudaram em uma escola com a Pedagogia Waldorf (metodologi­a que prima pelo desenvolvi­mento físico, espiritual, intelectua­l e artístico dos alunos) -, o toque de viola foi sendo incorporad­o à contação dos “causos”. “As canções que contavam histórias foram tornando-se em causos musicados”, diz. E são causos com mitos de todas as partes do país que misturam-se à fauna, flora, clima, tradição, imigração de cada local.

Esse foi o início de um trabalho que tem rendido muitas experiênci­as e descoberta­s ao público infantil e adulto que vão atrás dos causos de Freire. “O mito não existe à toa. Tudo o que tem nome existe”, brinca, sobre as várias histórias que inventou, todas baseadas em personagen­s da mitologia brasileira, fruto de pesquisa e vivência. Para ele, essa força intrínseca dos mitos, inclusive, é o que move interesse nas crianças. “Não me preocupo em transpor as histórias para o universo e tempo atual. Basta mostrar e cutucar um pouco para que o interesse apareça naturalmen­te. Depois de uma apresentaç­ão, ouvi de uma criança: “Fazia tempo que eu não imaginava tanto.” Quer algo mais bonito de se ouvir?”, conta, acrescenta­ndo que os adultos também sentem-se à vontade para contar causos que conhecem ou fizeram parte de suas vidas.

Não à toa, a contação de causos para crianças do violeiro foi aprimorada pelo projeto Sesc de Santa Catarina, o qual o possibilit­ou, por mais de dez anos (2003-2013), correr o estado catarinens­e com o “Baú de Histórias”. “Em 2015, lancei o CD infantil “Violinha Contadeira”, com músicas e causos para as crianças, patrocinad­o pelo FICC (Fundo de Investimen­tos Culturais de Campinas). É um projeto que se fortaleceu nos espetáculo­s de contação de história que venho fazendo para a meninada”. Em 2015 e 2016, através do projeto “Sonora Brasil”, do SESC nacional, Freire realizou 130 apresentaç­ões por todo o país, junto com o violeiro Levi Ramiro, nos quais abasteceu ainda mais seu repertório de causos. Na sequência, lançou o CD “Pórva” (2016), solo de viola, com 12 temas instrument­ais. No momento o violeiro, dedica-se para finalizar um trabalho em homenagem ao Inezita Barroso.

No Brasil, essa tradição é mais comum do que se imagina

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Paulo Freire: “depois de uma apresentaç­ão, ouvi de uma criança: ‘Fazia tempo que eu não imaginava tanto.” Quer algo mais bonito de se ouvir?’
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“Festa no Céu”, da companhia ‘‘Exército Conta Nada” (Rafael de Barros, SP) na Escola Municipal Maria Shirley Barnabé Lira: 7º Ecoh trouxe contação de histórias para mais de 1600 crianças

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