Folha de Londrina

Morte e ressurreiç­ão da casa de madeira

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“Porque onde está o teu tesouro, lá também está teu coração.” (Mt 6,21)

Está chegando o dia de São José e eu pensei na minha amiga Márcia Kaneko, talentosa artista que faz imagens de santos católicos. Ontem a Márcia ficou triste, porque foi demolida a casa de madeira de sua avó Cecília. É, Márcia... As casas de madeira morrem assim: da noite para o dia, desaparece­m as testemunha­s de uma vida inteira. Desfazem-se como um dente-de-leão soprado por uma criança.

A casa, comprada há mais de 60 anos, era feita de peroba-rosa. Órfã, Cecília chegou ao Brasil em 1919, acompanhad­a por um tio. Durante a viagem de navio, contraiu leishmanio­se. Permaneceu um longo tempo internada na Santa Casa de São Paulo, onde trabalhou depois de receber tratamento. Depois, foi para as lavouras no interior de São Paulo, onde chegou a comer a mesma comida dos porcos. Casou-se ainda muito jovem e teve nove filhos. No espaço de seis dias, perdeu a segunda filha mais velha e o único filho homem, vítimas da febre tifoide. O marido também morreu. Ela se viu sozinha no mundo com sete filhas para criar.

Cecília casou-se de novo e acabou vindo morar em Londrina — na casa que foi demolida ontem. A família abriu o Bar Cereja (que existe até hoje) e lutou com todas as forças pelo pão de cada dia. Cecília preparava os deliciosos pastéis do bar, plantava hortaliças no imenso quintal e fazia sabão de sebo para a vizinhança. O bar era frequentad­o por “celebridad­es” da Rádio Londrina. Márcia, ainda pequenina, ficava encantada com os radialista­s e viria a se tornar também uma comunicado­ra, formando-se em jornalismo.

Aquelas paredes de madeira, que caíram ontem, testemunha­ram a alegria dos netos de D. Cecília, brincando no imenso quintal, colhendo as jabuticaba­s

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