EROTISMO
Clássico da literatura erótica do século 20, ‘História do Olho’ de George Bataille, estabelece conexões entre erotismo, morte e imaginação
Por sugestão de seu psicanalista, em 1926 o escritor francês Georges Bataille começou a escrever sobre suas fantasias sexuais. O exercício da escrita ficcional deveria ser utilizado como ferramenta em seu tratamento.
O resultado desse exercício, “História do Olho”, foi publicado de maneira clandestina em 1928 com litogravuras de André Masson. Para evitar confusão, Georges Bataille adotou o pseudônimo de Lord Auch para assinar a obra.
O livro se tornou um clássico da literatura erótica do século 20 circulando em edições clandestinas até a morte de Bataille, ocorrida em 1962. Mais do que alimentar a imaginação de diversas gerações de onanistas, a obra abria caminho para o principal pensamento da literatura transgressora de Bataille: “O sentido último do erotismo é a morte”.
“História do Olho” acaba de ganhar sua segunda edição brasileira lançada pela editora Companhia das Letras. A primeira edição apareceu no país quase 20 anos atrás lançada pela extinta editora Cosac Naify. A tradução permanece a mesma realizada por Eliane Robert de Moraes, pesquisadora e professora da USP.
O livro narra a trajetória sexual de dois jovens – o narrador, que não possui nome, e Simone. Dois adolescentes atirando-se de cabeça na extravagância do prazer sexual. Isolados do mundo adulto, bem como da moral, criam um universo próprio onde a liberdade é total e irrestrita. Correm como seres desembestados em direção ao sexo com a percepção de que ele representa, em alguns contextos, a própria morte. Desenvolvem paulatinamente um apetite sexual desenfreado, radicalizando suas práticas tanto entre si como envolvendo outras pessoas.
O grande elemento da história, muito além do erotismo exótico ou bizarro, está em seu caráter simbólico. O objeto central do desejo das personagens reside na imagem do olho. O olho como representação máxima do prazer. Uma representação que se estende a outras formas circulares como o ovo, o ânus, as auréolas dos seios, as bolas do saco escrotal e muito mais. A viagem libertina do casal atinge o ápice quando experimenta o uso do olho humano, arrancado do corpo, como objeto erótico.
“História do Olho” traz a inconfundível marca da literatura de Marquês de Sade (1740 - 1814), escritor e filósofo francês cuja obra deu origem ao termo conhecido como “sadismo”. Dá vazão à libertinagem irrestrita, implicando num caminho onde a dor e a loucura integram o objeto humano de prazer.
Nascido em 1897, George Bataille foi seminarista na adolescência, mas acabou não se ordenando padre. Ao longo de décadas trabalhou como bibliotecário da Biblioteca Nacional da França. Sua obra está dividida em dois blocos. De um lado estão obras teóricas como “Teoria de Religião”, “A Literatura e o Mal” e “O Erotismo”. De outro lado estão obras de ficção erótica como “Minha Mãe”, “Ânus Solar” e “O Azul do Céu”, publicadas sob os pseudônimos Lord Auch e Pierre Angélique.
O casal protagonista de “História do Olho” vive num mundo onde os adultos não possuem acesso. O universo adulto é deixado de lado completamente. A experiência dos desejos não passa pelo filtro do bom senso ou da moral. Como jovens, estão empenhados em derrubar muros, paredes, edifícios e o que aparecer pela frente para superar a eterna angústia.
Bataille sugere que o prazer extremo estaria muito mais ligado ao simbólico, à imaginação, do que propriamente aos componentes físicos da carne. Esse simbólico assumiria uma composição destrutiva a partir da consumação do desejo. E quanto mais transgressora e libidinosa forem as experiências da imaginação, mais os amantes estariam envoltos pelas limitações do real.