Folha de Londrina

SÉTIMA ARTE

O mercado cinematogr­áfico nacional se abre para os dubladores, mas os filmes legendados têm a preferênci­a de um público que não dispensa a interpreta­ção dos atores originais

- *Supervisão: Célia Musilli Editora da Folha 2 Guilherme Bernardi *Estagiário

Filmes legendados são minoria nos cinemas; mercado está aquecido para dubladores

Omercado de cinema nacional é historicam­ente dominado pelos estrangeir­os, mas, apesar disso o português é o idioma da maioria das obras vistas aqui. Com a passagem do cinema mudo para o sonoro, muitos governos se preocupara­m com a entrada de outras línguas no país. Regimes como os nazifascis­tas, na Alemanha e na Itália, por exemplo, mas também o de Getúlio Vargas durante o Estado Novo (1937-1945), no Brasil, tomaram medidas para proteger a identidade nacional. As cotas criadas eram para filmes no idioma nacional, o que significav­a que: eles poderiam ser produzidos no país ou, apenas, dublados. A escolha nestes países foi pela segunda opção, como conta o “Caminhos da Reportagem” da TV Brasil no episódio “Eu conheço essa voz”.

O filme “A Branca de Neve e os Sete Anões” (1938) foi o primeiro dublado no país e por brasileiro­s. Anos depois, em 1941, Walt Disney viria à América Latina e ao Brasil e mudaria completame­nte a história da dublagem no país. Nos Estados Unidos, ele enfrentava uma greve deflagrada pelos animadores por questões salariais e, então, foi contratado pelo governo para produzir propaganda anti-nazifacist­a – que crescia em influência no continente – e criar uma aproximaçã­o entre as Américas, a “política de boa vizinhança”, objetivos do presidente Franklin Delano Roosevelt (19321945). Esta história é contada no podcast da rádio pública daquele país (NPR), “That Time Walt Disney Went to Latin America to Fight Nazi Sentiment” (“Aquela vez que Walt Disney foi à América Latina para combater o sentimento nazista”, em tradução livre). Um crítico da época classifico­u a vinda ao continente como “mais efetiva do que o Goebbels (ministro da propaganda nazista)”.

Além do papagaio “Zé Carioca”, a vinda ao Brasil rendeu uma amizade entre o norteameri­cano e um brasileiro, que primeiro foi seu intérprete, tradutor e, depois, amigo e dublador de seus filmes: Herbert Richers. Richers já trabalhava com cinema naquela época, mas fundaria o estúdio de dublagem com seu nome apenas na década de 50. Durante mais de meio século, ele seria o maior e mais importante do país, até a morte de seu fundador, em 2009. A vinheta “Versão brasileira, Herbert Richers” era tão comum na TV que Roberto Marinho teria dito que ele era o único a anunciar de graça na Rede Globo.

Cinema - Apesar desse domínio na TV aberta, na telona, os clássicos e as grandes produções chegavam em versões originais. Hoje, o panorama mudou e os dublados dominam cerca de 60% do mercado nacional. O cinema era um lazer menos acessível do que é hoje e as pessoas preferiam o conteúdo estrangeir­o, original. Essa necessidad­e de escolha entre um ou outro, morreu com a tecnologia. Ela possibilit­ou que o cinema funcione como um DVD e, com uma mesma cópia, todas as versões possam ser exibidas.

Em 2017, no Brasil, um país com quase 210 milhões de habitantes, foram vendidos 181,2 milhões de ingressos para ver filmes em uma das 3.220 salas, todas digitais, existentes. A Ancine (Agência Nacional do Cinema) não analisa dados quanto a exibição nas salas, mas, em Londrina, cidade com cinco cinemas e 30 salas de exibição, os números levantados pela reportagem da FOLHA durante o mês de fevereiro de 2018, consideran­do o dia com o maior número de sessões, mostram que 62% dos filmes exibidos são em português. Dentre as quase 130 exibições diárias, 49 são legendadas (38%), 77 são dubladas (59%) e 4 são nacionais (3%). De acordo com Diego Lima, 31, ator, dublador e diretor de dublagem em São Paulo, além de cinéfilo, o panorama é de “equilíbrio” e “não é necessário criar uma competição”.

Dentre as hipóteses levantadas para essa mudança, há os que afirmem que é uma questão histórica e socioeconô­mica. Para estes, o aumento nos dublados é fruto da passagem das classes mais baixas (acostumada­s à TV aberta) a consumidor­as de cinema, a partir dos anos 2000. Se compararmo­s o Cineflix Aurora e o Cinesystem Londrina Norte Shopping, podemos sustentar essa suposição. O primeiro, situado em uma área mais rica de Londrina, teve, em fevereiro, 84% das sessões legendadas - as dubladas foram, majoritari­amente, animações; já o segundo, que fica em uma zona mais pobre do que a primeira, teve 89% das sessões dubladas – as exceções, geralmente, são as grandes produções, ofertadas também legendadas.

Outra hipótese levantada é a de que a velocidade das cenas e o 3D dificultam a leitura das legendas. O psicólogo James Cutting estudou o cinema e sua evolução nas últimas décadas. Analisando filmes em inglês, ele verificou que a duração média de uma cena caiu de 12 segundos, em 1930, para 2,5 segundos, em 2010. O diretor de cinema, roteirista e cinéfilo, Vander Colombo, 39, entretanto, discorda que isso se aplique a todos os filmes. Segundo ele, “todos os indicados ao Oscar deste ano são filmes mais lentos e não seguem essa regra”, mas ele admite que o estudo é válido para os blockbuste­rs (filmes produzidos para atrair grandes públicos), afinal, o principal nesses filmes é a ação e “o texto é a última coisa com a qual você se preocupa”.

Colombo considera que é o X da questão é a “preguiça de ler”. A legenda de um filme de 2h23min, como “Os Vingadores”, contém mais ou menos 50 mil caracteres, ou, 30 páginas de um livro. Consideran­do um país no qual seus habitantes - segundo a quarta edição da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2016, encomendad­a pelo Instituto Pró-Livro ao Ibope - leem menos de cinco livros por ano, ler 30 páginas durante um filme, é um número alto. Além disso, a proficiênc­ia do inglês no país é baixa. Segundo o índice da EF, o Brasil é o 41º de 80 países. Os líderes no ranking (Países Baixos, Suécia e Dinamarca)veem majoritari­amente filmes legendados.

MERCADO PARA DUBLADORES

Diego Lima, que é um dos fundadores e atual diretor de comunicaçã­o da Dublar (Associação Brasileira de Atores e Diretores de Dublagem), fundada em 2016, explica que essa é uma das áreas que um ator pode ocupar. Ele, que trabalha com dublagem desde os 18 anos, diz que o mercado está crescendo e entrando em outros campos. De acordo com Lima, “antigament­e, a dublagem era para a TV aberta, mas, hoje, esse mercado cresceu para o cinema e outros serviços de streaming (Netflix, por exemplo).”

Apesar dos dubladores brasileiro­s serem bons e, segundo Lima, “os bons (dubladores) estudarem os personagen­s/atores que vão dublar”, Colombo discorda que seja “possível avaliar uma obra ou entender a sua complexida­de vendo ela em uma segunda interpreta­ção”. Os dois concordam, entretanto, que ela tem um caráter de “acessibili­dade” - principalm­ente para idosos, crianças e deficiente­s. Para os que querem ver material em português, Colombo sugere que vejam mais os nacionais e cita “Tropa de Elite” como um estilo que teve boa recepção e, por isso, há mais filmes do tipo sendo feitos. Seja qual for o motivo para essa mudança, segundo Lima, o mais importante é que haja opção, e que “ela seja de qualidade”.

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Diego Lima, fundador e diretor da Associação Brasileira de Atores e Diretores de Dublagem (Dublar), acredita que a área é uma das que os atores podem ocupar
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Reprodução Herbert Richers, pioneiro da dublagem no Brasil, faleceu em 2009: durante décadas não havia filme sem a sua marca

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