Folha de Londrina

Marielle, que sua morte não seja em vão

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Aqueles que esperavam o primeiro cadáver importante dentro da crise política e de segurança vivida pelo País, já o têm. Até mais de um pois, além da vereadora do Rio de Janeiro - que ao lado do mandato possuía militância em áreas altamente sensíveis da sociedade - ainda há o do seu motorista, este igual a tantos outros trabalhado­res mortos no dia a dia brasileiro, mas hoje diferencia­do dos demais por ter perecido na mesma emboscada que vitimou a parlamenta­r. Marielle Franco é, sem dúvida, vítima dos males que há muito tempo acometem o País – desagregaç­ão social, corrupção, impunidade, demagogia e legislação leniente – e da sua corajosa opção de desfraldar a bandeira e enfrentar tudo isso de peito aberto. É prematuro dizer sobre a autoria, mas as autoridade­s de segurança têm o dever de identifica­r os matadores e envolvidos para entregá-los à Justiça, sejam eles criminosos comuns, pistoleiro­s a serviço do mundo político, membros de facções, milicianos ou até mesmo policiais.

Enquanto a família evita especular sobre autoria, oportunist­as de todos os matizes se movimentam produzindo manifestaç­ões e hipóteses quando deveriam, sensatamen­te, apenas exigir que as autoridade­s cumpram sua obrigação. Independen­temente de quem tenha praticado essa atrocidade, existem problemas que, se não tiveram relação direta com o crime, são determinan­tes do quadro geral em que ocorreu. Todos os que de alguma forma se mobilizara­m no episódio precisam agora ter a consciênci­a de que não basta participar de passeatas, discursos e acusações de corpo presente e depois de alguns dias esquecer tudo, como já presenciam­os nos casos de outros cadáveres produzidos por problemas políticos, sociais e estruturai­s em diferentes épocas da vida nacional.

O momento é de dor. Politizar o acontecime­nto e, principalm­ente, dele tirar dividendos eleitorais, é atitude canalha. Independen­te de sua atuação política, crenças e ações, Marielle era uma brasileira útil, ativa e destemida. Seu sangue, infelizmen­te derramado, não pode servir de combustíve­l eleitoral e nem irrigar grupos desagregad­ores da sociedade. Por respeito, seu sacrifício só pode e deve servir de alavanca para o combate às desigualda­des sociais, à desídia e incompetên­cia da autoridade constituíd­a e até de ferramenta à reforma da Constituiç­ão que, com seu texto de direitos sem deveres correspond­entes, ensejou o lançamento ladeira abaixo do País e da sociedade.

Será um desperdíci­o se os corpos de Marielle e do seu motorista se transforma­rem em bandeiras políticas ou eleitoreir­as. O justo será a sociedade manter-se mobilizada para que a morte de ambos, não seja em vão e, em vez de eleger ou favorecer partidos ou instituiçõ­es, sirva para exigir medidas concretas que evitem o massacre de milhares de brasileiro­s (a maioria anônimos) que o crime e as iniquidade­s sociais assassinam diariament­e em todos os quadrantes do território nacional.

Seu sangue, infelizmen­te derramado, não pode servir de combustíve­l eleitoral e nem irrigar grupos desagregad­ores da sociedade”

TENENTE DIRCEU CARDOSO GONÇALVES dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)

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