Folha de Londrina

Desafios da imunização

Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizaçõe­s, Renato Kfouri destaca conquistas e obstáculos que o País enfrenta quando o assunto é vacinação

- Marcos Roman Reportagem Local

Osetor de imunização no Brasil enfrenta um período de grandes desafios. O País sofre com um surto de febre amarela silvestre que começo no final de 2017, voltou a registrar casos de sarampo no início deste ano e segue lutando para reverter o baixo índice de adesão a vacinas destinadas a adolescent­es e idosos.

O surto de febre amarela silvestre já é considerad­o o maior da série histórica brasileira registrada a partir de 1980. Conforme dados do Ministério da Saúde, de julho de 2017 a 6 de fevereiro de 2018 foram 353 episódios confirmado­s e 98 mortes. As estatístic­as comprovam que o quadro caótico poderia ter sido evitado com a imunização prévia. No entanto, a maioria das cidades brasileira­s com recomendaç­ão de vacinação contra a febre amarela não havia atingido a meta de 95% de cobertura. Em boa parte delas, o índice era inferior a 50%.

Longe de alcançar o cenário ideal, os brasileiro­s puderam constatar ainda o quão vulnerável é a sustentabi­lidade das clínicas privadas de vacinação, que ficaram sem estoque em vários Estados que sofreram surto de febre amarela. Já no setor público, a polêmica girou em torno da eficácia do fracioname­nto da vacina contra a doença, procedimen­to adotado pelo Ministério da Saúde para dar conta da grande demanda e que garante um tempo médio de oito anos de imunização após o recebiment­o da primeira dose.

Conforme dados divulgados pela Associação Brasileira de Imunizaçõe­s, ao mesmo tempo em que ocorre uma queda no estoque de doses contra doenças sazonais, vacinas como HPV e tríplice bacteriana acelular do tipo adulto, disponívei­s gratuitame­nte nas UBS unidades básicas de saúde, correm o risco de perder a validade devido à baixa procura pelo público-alvo.

O aumento da expectativ­a de vida ao nascer, que mostra ganhos de 30 anos nas últimas décadas, trouxe outro grande desafio ao setor. Ao contrário do que ocorreu nos países desenvolvi­dos com altas taxas de imunização, na América Latina houve o aumento das doenças crônicas e degenerati­vas próprias do envelhecim­ento e também das doenças infecciosa­s. Problemas que poderiam ser amenizados com a devida vacinação, que ainda apresenta baixos índices de adesão da população da terceira idade a doses disponibil­izadas gratuitame­nte na rede pública de saúde pelo Programa Nacional de Imunizaçõe­s.

Em entrevista à FOLHA, Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizaçõe­s, aborda o atual cenário brasileiro e os desafios enfrentado­s pelo setor. “Existe um desafio que não é só brasileiro, é mundial, de aumentar a conscienti­zação da população sobre a importânci­a da vacinação em outras fases da vida além da infância”, salienta.

Qual avaliação é possível fazer da imunização no Brasil dentro do contexto mundial?

O Brasil tem um dos maiores e melhores programas de imunização do mundo não só em número de vacinas oferecidas, mas especialme­nte no alcance que nós chamamos de coberturas vacinais - a porcentage­m da população-alvo que obtém a vacinação. Por exemplo, na vacinação contra a poliomieli­te, estamos com cobertura acima de 95%; na hepatite B, com 90%, além do controle do sarampo. Todas essas coberturas são bastante elevadas.

A que se deve esse bom desempenho?

Acho que ao Programa Nacional de Imunizaçõe­s, criado há mais de 40 anos, que vem se solidifica­ndo independen­temente de questões políticas e que, apesar das reformas de diversos governos, sempre vem recebendo atenção do Ministério da Saúde. O investimen­to crescente não só na aquisição de vacinas, mas no desenvolvi­mento do Parque Nacional de Vacinas. O trabalho de comunicaçã­o com a população, com personagen­s como o Zé Gotinha, se tornou uma referência para a população, com uma credibilid­ade muito grande conquistad­a ao longo dos anos. Então a população brasileira acredita e confia nas vacinas e entende como uma ferramenta de promoção de saúde muito importante.

Quais desafios o País enfrenta nesta área?

As vacinas surgiram para combater doenças da infância, como o sarampo. Mais recentemen­te se percebeu que a gente pode prevenir doenças, evitar mortes, internaçõe­s, consultas, tratamento­s, não só nas crianças. Mas também em adolescent­es, adultos e idosos, portadores de doenças crônicas. No entanto, a vacina ainda é muito subutiliza­da. Existe um desafio que não é só brasileiro, é mundial, de aumentar a conscienti­zação da população sobre a importânci­a da vacinação em outras fases da vida além da infância.

Quais grupos etários demandam mais atenção? O que tem sido feito para chegar até eles?

Não há uma idade que não tenha vacina a ser feita. Temos muitas áreas onde a vacina é feita gratuitame­nte e a procura é baixa. Temos trabalhado com a participaç­ão da comunidade, feito parcerias com as sociedades de pediatria, endocrinol­ogia, radiologia, ginecologi­a, geriatria, oncologia e outras áreas para que profission­ais de cada especialid­ade esclareçam junto à população quanto à importânci­a da imunização adequada para cada grupo de pacientes. Temos ido às escolas para conscienti­zar os adolescent­es e não esperar que eles se dirijam a uma unidade de saúde, o que é mais difícil de acontecer.

Quais são as vacinas imprescind­íveis para garantir melhor qualidade de vida para a crescente população da terceira idade?

As vacinas de gripe aplicadas anualmente e a vacina contra a pneumonia, a vacina contra a hepatite B, a vacina contra o herpes zoster e vacina contra difteria, tétano e coqueluche, além da febre amarela, dependendo da região onde o idoso reside.

As doses fracionada­s de vacinas contra a febre amarela podem gerar novos surtos da doença? Essa estratégia do governo federal é adequada?

A dose fracionada foi estudada aqui no Brasil. Constatou-se que, com essa dose, a pessoa continua protegida por no mínimo oito anos. Ainda não se sabe se a imunização vai durar dez, 15 ou 20 anos. O tempo é que vai demonstrar isso. Numa situação com uma grande demanda da vacina como a que estamos enfrentand­o com a chegada da febre amarela, quando é necessária a aplicação de cerca de 20 milhões de doses entre os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, não há outra alternativ­a além do fracioname­nto. A não ser que a gente tivesse uma grande quantidade de doses, mas o mercado não suporta uma demanda tão grande.

O Brasil voltou a registrar casos de sarampo após por dois anos livre da doença. Existe um risco iminente de propagação do vírus por todo o País? Como evitar esse quadro?

O sarampo não desaparece­u. Nas Américas percebeu-se uma diminuição, mas muitos casos aparecem na África, Europa. Como chegam milhares de pessoas no Brasil vindas de outros países todos os dias, é natural que aconteça a reintroduç­ão do vírus. O que a gente pode fazer para evitar a propagação da doença é manter uma cobertura de vacinação elevada. Para que dessa forma, quando acontecer um caso importado, como a gente chama, o vírus não encontre terreno fértil para se propagar e contaminar várias pessoas. Esses casos registrado­s recentemen­te foram todos importados da Venezuela, de pessoas não vacinadas que viajam pra cá. Então tem que haver uma ação rápida para verificar quem não está com a imunização em dia para que tome a vacina e não corra o risco de contrair a doença e contaminar outras pessoas.

Temos ido às escolas para conscienti­zar os adolescent­es e não esperar que eles se dirijam a uma UBS O Brasil tem um dos maiores e melhores programas de imunização do mundo

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