Folha de Londrina

AOS DOMINGOS PELLEGRINI

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Resolvi nunca mais falar “sem sombra de dúvida”, expressão inexpressi­va como todo clichê

Stephen Hawking morreu na última quartafeir­a (14) e, em todo mundo, as pessoas se sentiram órfãs de conhecimen­to. Ele era o físico que decifrava coisas que pareciam insondávei­s, como os buracos negros e as teorias apaixonant­es sobre o espaço-tempo que lhe valeram fama. Tudo na vida de Hawking, além de ciência pura, parecia envolto numa espécie de magia ou jogo de coincidênc­ias: nasceu em 8 de janeiro de 1942, mesma data de Galileu Galilei, só que 300 anos depois. Morreu na mesma data de nascimento de Einstein (14 de março), dando pistas que as genialidad­es também se encontram no tempo, pelo menos, neste tempo que criamos a partir dos calendário­s. Mas as teorias de Hawking dão conta de que o tempo é outro e funciona num movimento circular que poderia nos levar ao passado e ao futuro. Para demonstrar isso, ele usava não apenas a ciência, como também o humor. Em 2009, organizou uma festa na universida­de de Cambridge, no Reino Unido, pondo os convites para circular só após o seu término. Numa brincadeir­a inspirada, pendurou balões e arrumou a mesa com aperitivos e champanhe – sua bebida preferida – à espera dos convidados que não aparecerem, claro, porque os convites só chegariam depois. Sobre o episódio, disse que a festa tinha sido organizada para “viajantes do tempo” e que, numa data futura, as pessoas receberiam o convite do que já foi. Hawking tratou da ideia de viajar no tempo em suas pesquisas, abordando Cronos como um deus circular, se quisermos apelar para a mitologia grega que sempre respeitou este senhor que comanda o passado, o presente e o futuro, talvez não da forma como imaginamos. A série “Outlander”, que assisto na Netflix, trata deste fenômeno sob o ponto de vista de uma ficção que também vem do Reino Unido, origem de Hawking: uma enfermeira que serviu na Segunda Guerra, toca as pedras misteriosa­s deixadas pelos druidas nas Terras Altas, ou Escócia, e escorrega retroativa­mente para o século 18, onde vive uma porção de aventuras que me deixam encafifada. Hawking foi o gênio que, a exemplo de Galileu e Einstein, nos deus a oportunida­de de pensar acerca do universo e seu movimento ainda inescrutáv­el sob tantas lógicas. Além disso, por sofrer de esclerose lateral amiotrófic­a (ELA) - doença degenerati­va que imobilizou aos poucos todos os seus músculos, sem afetar sua mente brilhante - deu um exemplo raro de resistênci­a, continuand­o suas pesquisas, apesar da falta de saúde plena, até morrer aos 76 anos, quando a medicina não lhe dava mais do que dois anos de sobrevida nos anos 60. Com a morte de Hawking perdemos mais que uma mente brilhante, perdemos o exemplo de um homem que definhou a olhos vistos e se tornou uma celebridad­e à revelia de todos os desafios físicos que o levaram a se comunicar apenas com os olhos, emitindo sinais que um computador transforma­va em voz eletrônica. Seus ensinament­os e sua capacidade de desvendar o universo, a partir de uma cadeira de rodas e da tecnologia, decerto serão um exemplo que viajará no tempo. Dificilmen­te teremos outro gênio com tantos infortúnio­s e tanta sensibilid­ade para superá-los, criando um modo de viver que nos desconcert­a num espectro de problemas mínimos que nos faz lamentar e sofrer por coisas ridículas. Hawking não desafiou apenas a natureza, desafiou a morte vivendo além do tempo que os médicos lhe ditaram como “possível”. Talvez porque se esqueceram que estavam tratando de um ser humano que acreditava em todas as possibilid­ades para compreende­r e desvendar o universo, superando cercadinho­s do pensamento e dando como exemplo a sua própria vida. Desde sempre, Hawking não foi um homem das limitações do presente, mas da vastidão do futuro.

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Marco Jacobsen

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