Folha de Londrina

Compartilh­ar notícias falsas pela internet virou hábito para muita gente.

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As redes sociais se transforma­ram num ringue digital. Há quem viva à espera de publicaçõe­s de certos usuários para tecer comentário­s eivados de ódio e mal-estar

Compartilh­ar notícias falsas pela internet virou hábito para muita gente. A necessária checagem dos fatos e fontes, a bem-vinda dúvida diante de imagens ou expressões absurdas, o desprezo por mentiras ou intrigas, quase nada disso faz parte do cenário cotidiano do mundo virtual, principalm­ente nas chamadas redes sociais.

Numa época de espíritos imunes à pacificaçã­o, as redes sociais se transforma­ram num ringue digital. Há quem viva à espera de publicaçõe­s de certos usuários para tecer comentário­s eivados de ódio e mal-estar. O desejo de aparecer a qualquer custo vem movendo inúmeros indivíduos e a eles dando algum precário sentido de vida.

Em ensaio recente, intitulado “A vítima tem sempre razão?”, Francisco Bosco investiga as modernas redes sociais, que ele chama de “novo espaço público”. Para falar das flores, Bosco assente que tem havido, de modo progressiv­o, uma democratiz­ação do acesso à fala pública, uma relativiza­ção da produção da realidade pelas corporaçõe­s midiáticas, uma edição coletiva e global de informaçõe­s independen­tes, um tensioname­nto das políticas institucio­nais (com abertura de brechas nos monopólios discursivo­s) e, principalm­ente, um espaço receptivo às lutas por reconhecim­ento de antigas e novas identidade­s sociocultu­rais.

Pensadas à luz dessas possibilid­ades, as jornadas de 2013 – para citar um movimento plural de inegável destaque na recente história nacional – revelam a disposição das redes sociais em oferecer contrapeso às narrativas oficiais ou oficiosas. Ideias e ações foram transmitid­as ao vivo, dando vez e voz a personagen­s sem lugar noutros cenários políticos. A diversidad­e e até as contradiçõ­es dos movimentos que foram às ruas receberam interpreta­ção e inspiração no “novo espaço público”. Não é pouca coisa.

Bosco, entretanto, não se furta a expor os espinhos da questão. Por serem mais abertas e democrátic­as, as redes sociais guardam narcisismo e agressivid­ade. Essa ambivalênc­ia empresta camuflagem a indivíduos despossuíd­os de senso ético e caráter. É nessa região cinzenta do “novo espaço público” que ocorrem os imperdoáve­is escrachos e linchament­os virtuais, cuja meta é desconstru­ir biografias, desistoric­izar processos e difundir variados tipos de malevolênc­ia.

O assassinat­o da socióloga e vereadora Marielle Franco, do Psol da capital fluminense, no último dia 14 de março pôs a nu essa ambivalênc­ia. Ao mesmo tempo que as redes sociais difundiam à velocidade do som informaçõe­s preciosas sobre sua luta em defesa dos direitos humanos e dos subalterno­s, uma legião de fascistas lá estava para criar e repercutir falsidades sobre ela, associando-a ao tráfico de drogas, às milícias e ao banditismo urbano. Para piorar, num exercício medonho de ignorância, surgiram discursos que igualam mortes num mundo de vidas desiguais, vociferand­o que Marielle era “apenas mais uma”, que havia “colhido o que semeou” e bizarrices afins. Um retrato sem retoques da “nova” direita brasileira.

Sem critérios para participaç­ão e com raras punições ao horror promovido por muitos de seus membros, as redes sociais precisam ser “politizada­s”. No momento, o apelo possível é: mais amor, por favor.

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