Lei que criminaliza a lavagem de dinheiro completa 20 anos
Legislação Federal serve de base a uma das maiores operações do País, a Lava Jato
Sancionada em março de 1998, a lei federal 9.613/98 serve como base para o trabalho da Lava Jato, uma das maiores operações da história do País, que desmantelou organizações criminosas lideradas por doleiros. Em 2012, a legislação foi aprimorada por conta do baixo número de condenações finais e graves deficiências nos sistemas de gerenciamento de ativos. O que falta agora, segundo especialista, é uma nova atualização para que a lei fique de acordo com organismos internacionais como o Gafi (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro).
De acordo com o Banco Central, a lavagem de dinheiro movimenta em torno de R$ 6 bilhões por ano no Brasil. Os números seriam ainda mais expressivos no País não fosse a Lei nº 9.613, sancionada em março de 1998, que criminalizou a lavagem de dinheiro. Há 20 anos, na mesma data, foi criado o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão ligado ao Ministério da Fazenda de controle das instituições financeiras para atender exigências internacionais.
Segundo o professor de direito penal da PUCPR, Rafael Soares, a lei é considerada um marco para o combate a esse tipo de crime no País. “Até 1998 não existia o crime de lavagem de dinheiro. A lavagem pressupõe sempre um crime antecedente (corrupção, peculato, concussão, tráfico). É com este dinheiro obtido ilegalmente nesses crimes que o agente tenta ocultar a origem para fazê-lo parecer legal”.
Em 2012, a lei federal da lavagem de dinheiro foi modificada pela Lei nº12.683. Isso porque crimes como a exploração do jogo do bicho e estelionato não estavam previstos como antecedentes à lavagem de dinheiro. Ou seja, hoje no ordenamento jurídico, toda infração penal pode ser objeto de lavagem de capitais. “A CPI do Cachoeira e um caso famoso de peculato na Igreja Universal levaram à revisão da lei”, lembra Soares.
O que falta, ainda conforme o professor de direito, é uma nova atualização da lei porque ela não está de acordo com organismos internacionais como o Gafi (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro). Há uma perspectiva de que isso venha a ocorrer. “Os países que não adotam essas reco- mendações entram na lista negra e sofrem restrições financeiras”. Ou seja, é um recado da comunidade internacional para países que não combatem a lavagem de dinheiro.
As variações dessa “maquiagem” vão desde as mais comuns (evasão de divisas por doleiros, utilização de “laranjas”, empresas de fachada, venda simulada de ativos) até as mais específicas como o uso de pontos em programas de benefícios de cartão de crédito e compras de obras de arte. As tipificações têm evoluído de 20 anos para cá. Entretanto, os mecanismos de obtenção de provas também estão mais eficazes. A criação do instituto da colaboração premiada, agente infiltrado e os meios eletrônicos são outros fatores que contribuem ao combate. “A lei é a mesma. O que ocorreu foi uma modernidade na obtenção de provas e aceleração do próprio processo, é o caso da Lava Jato.”
OBRIGAÇÕES
A Lei nº 9.613, nos artigos 9, 10 e 11, também estabeleceu outros deveres de caráter administrativo que devem ser cumpridos por alguns setores da economia em identificar clientes, manter registros atualizados e comunicar operações financeiras. Isso vale para transação de moeda nacional e internacional, títulos e valores imobiliários, compra de ouro e joias. “Principalmente no aspecto administrativo a lei trouxe evolução muito grande nessas áreas sensíveis”, analisa o professor.
É o caso das joias e pedras preciosas que foram compradas pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, e sua esposa Adriana Ancelmo que, segundo o Ministério Público, são provas concretas do crime. O casal teria gasto mais de R$ 11 milhões em joalherias. “Imagina alguém chegar na joalheria com uma mala de dinheiro para pagar. Não quer dizer que seja crime, mas o estabelecimento precisa comunicar. Caso contrário, essas empresas ficam sujeitas a multas em valores bem altos, sob pena de responsabilidade administrativa pela operação suspeita”, exemplifica Soares.
OBRAS DE ARTE
Até quem decora uma casa com obras de arte pode esconder milhões de forma ilícita. Desde 2016, uma portaria do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) obriga que comerciantes e leiloeiros registrem todas as operações em dinheiro vivo acima de R$ 10 mil, além de manter cadastro de quem compra obra acima desse valor em qualquer método de pagamento com o objetivo de coibir a lavagem de dinheiro por meio do mercado de arte. Ou seja, outro exemplo, operações contra corrupção foram obrigando instituições a aprimorar seus mecanismos de controle.