Folha de Londrina

Vez que respiro

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Segundo uma antiga tradição, o nome de Deus em hebraico — expresso pelo tetragrama YHWH — é o equivalent­e ao som da respiração humana. Assim, a cada vez que respiramos, estamos repetindo o nome do Criador. Isso inclui judeus, cristãos, muçulmanos, budistas, hinduístas, agnósticos, ateus e seguidores de todas as religiões existentes sobre a Terra. Não por acaso, a palavra para Espírito, em hebraico, é Ruah; em grego, Pneuma.

A cada vez que o ar entra por nossas vias respiratór­ias — e isso acontece milhares de vezes por dia —, repetimos o nome de Deus, mesmo quando não queremos; mesmo quando O ignoramos ou rejeitamos. YHWH não é um nome impronunci­ável; na verdade, é mais do que pronunciáv­el, além do pronunciáv­el, acima do pronunciáv­el, o pronunciáv­el absoluto.

Quando uma pessoa era crucificad­a, a morte se dava por asfixia. Tratava-se um método de matar terrivelme­nte doloroso, que levava muitas horas. A crucificaç­ão, portanto, realizava de maneira cruel e forçada aquele processo de esvaziamen­to do ser a que alude São Paulo na Carta aos Filipenses: “Ele, estando na forma de Deus, não usou do seu direito de ser tratado como um deus, mas se despojou, tomando a forma de um escravo” (2, 5). Esse ponto foi bem lembrado pelo padre de minha paróquia no último Domingo de Ramos.

Ocorre que esse “despojar-se de si mesmo” é o centro da vida cristã.

Ao lado de Jesus, estavam dois criminosos. De acordo com as visões da beata católica alemã Anna Catharina Emmerich (1774-1824), malfeitore­s crucificad­os com Jesus no Calvário eram irmãos. Tradiciona­lmente, eles são chamados de Dimas (o Bom Ladrão) e Gestas (o Mau Ladrão).

Gestas, o irmão mais velho, era o arquiteto dos crimes; Dimas, por sua vez, não tinha o coração mau, porém era fraco para resistir à influência do irmão. Anna Catharina conta que Dimas era leproso na infância e fazia parte de uma família que acolhera Maria, José e o Menino Jesus durante a fuga para o Egito. Maria aconselhou a mãe de Dimas a banhar o menino doente na mesma água em que Jesus fora banhado — e assim a criança ficou perfeitame­nte saudável.

Quando Dimas viu Maria aos pés da cruz, reconheceu a mulher que fora responsáve­l por sua cura — e por esse motivo, ainda segundo a beata alemã, cessou de maldizer Jesus, sendo salvo no último instante: “Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43). O nome Dimas, de caráter evidenteme­nte simbólico, quer dizer “Pôr do Sol”.

Enquanto escrevo estas palavras, meu querido amigo e mestre Olavo de Carvalho luta para respirar em uma cama de hospital. Ocorre que este amigo também foi um dos grandes responsáve­is pela minha volta ao lar — o meu retorno à fé em Jesus Cristo. Peço a Ele que me conceda a graça de transforma­r cada oração em respiração pelo bem de quem me fez tanto bem.

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