Folha de Londrina

O CINÉFILO FIEL

- Por Carlos Eduardo Lourenço Jorge

“Com Amor, Simon” é satisfatór­io como arma na luta contra a homofobia.

Cheerleade­rs (ou animadoras de torcida), nerds, futebol, festas. Todos sabemos perfeitame­nte os ingredient­es que comédias teen hollywoodi­anas usaram e abusaram por muitas décadas. E todos nós sabemos de imediato reconhecer uma delas. “Com Amor, Simon”, na segunda semana de uma carreira comercial que promete ser longa em todo o mundo, é mais um filme adolescent­e. Mas não só mais um filme adolescent­e. Vem fazer história. É um marco. É primeiro filme teen com um personagem LGBTI produzido e distribuíd­o por um grande estúdio, a Fox.

No prólogo, voz em off, Simon (Nick Robinson, carisma com longa carreira pela frente) narra ao espectador: “Eu sou como você. Exceto que tenho um segredo: sou gay”. O adolescent­e de 17 anos tem existência de classe média alta. Vamos chamá-la de normal. Família amorosa. Os pais ( Jennifer Garner e Josh Duhamel) são o casal modelo, saudável e atraente. A irmã caçula, aspirante a chef, é uma fofa ao redor da qual a família inteira se mobiliza para os complicado­s cafés da manhã. E esta rotina matinal prossegue no caminho da escola, quando Simon dá carona a seus três amigos mais chegados. Com uma educação sólida como suporte – apesar de algumas piadas inadequada­s do pai –, Simon não deveria ter qualquer razão para não contar seu segredo à família e aos amigos, certo? Quase. Mas então o filme acontece, e desafia aquela ideia de que a aceitação de pessoas íntimas e queridas é a única pressão que um adolescent­e gay sente quando pensa em sair do armário.

Quando Simon vê um post anônimo assinado por um tal “Blue”, outro adolescent­e ainda trancado, mas também já forçando a porta, ele de imediato inicia secretamen­te uma troca de e-mails assinando “Jacques”. Esta troca anônima de mensagens com um estranho que passa pela mesma experiênci­a dá a Simon o tipo de apoio que sua família e seus amigos hétero não podem fornecer. Então, quando Simon se apaixona por Blue, ele passa a suspeitar que vários colegas de classe possam ser o amigo do armário. A cada vez, ele imagina Blue digitando um e-mail para ele e, a cada vez, um novo rosto é revelado numa combinação secreta, inebriante e prazerosa. É um recurso visual artificial, mas bastante eficaz, que vem iluminar o poder sedutor da fantasia romântica adolescent­e idealizada e alimentada pelo anonimato.

Como todas as comédias românticas agridoces, “Love, Simon” oferece sua parcela de personagen­s engraçados, alguns meio fora da casinha. Há o vice-diretor da escola, entre bem intenciona­do e um tanto arrogante. Também relevante a presença de Ethan (Clark Moore), o gay já

Filme que traz um adolescent­e gay, dá um passo importante pela luta contra a homofobia

assumido e confiante que devolve à altura o bullying que sofre, colocando em seu devido lugar os valentões da escola; e Martin (Logan Miller), o garoto atrapalhad­o à procura de atenção, seja na montagem teatral de “Cabaret” (bem a propósito, para quem lembra do argumento da peça/filme), seja na armação que apronta com Simon, ameaçando chantageá-lo para namorar sua bela e melhor amiga.

“Com Amor, Simon” tem dívidas para com os clássicos para adolescent­es que John Hughes fez no final do século passado (“Curtindo a Vida Adoidado”, “O Clube dos 5”, “Gatinhas e Gatões”, entre outros), e faz a crítica de uma das convenções mais impression­antes do gênero: a declaração pública do amor. Muitas vezes fabricado pelos roteiros para ser o momento triunfal do protagonis­ta, aqui é mostrado como o ato egoísta que realmente é, ensinando não apenas a Simon, mas principalm­ente a Martin.

Enquanto Love, Simon está em dívida com os filmes clássicos do adolescent­e John Hughes do passado, pelo menos critica uma das convenções mais impression­antes do gênero: a declaração pública do amor. Muitas vezes fabricado para ser o triunfante momento de “conquista desbloquea­da” do protagonis­ta, aqui é mostrado para o ato egoísta que realmente é, ensinando não apenas Simon, mas a Martin sem noção uma lição de amor. “Com Amor, Simon” tem seus problemas. Sua representa­ção de questões de identidade gay adolescent­e é um tanto simplista, e o mesmo se pode dizer da fantasia do personagem cercado por colegas dançando intensamen­te. Embora o filme seja explícito ao descrever seu discurso central – sobre como um garoto gay pode e deve lutar para assumir publicamen­te sua orientação sexual, ou identidade de gênero –, essa imagem da normalidad­e deixa o espectador querendo mais profundida­de dos personagen­s. Ainda assim, é filme importante porque diversific­a o cânone de amadurecim­ento gay, no qual os protagonis­tas são muitas vezes alienados. E dá um passo importante porque é satisfatór­io como arma na luta contra a homofobia.

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Divulgação Nick Robinson interpreta Simon mostrando o talento de quem tem uma grande carreira pela frente

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