O CINÉFILO FIEL
“Com Amor, Simon” é satisfatório como arma na luta contra a homofobia.
Cheerleaders (ou animadoras de torcida), nerds, futebol, festas. Todos sabemos perfeitamente os ingredientes que comédias teen hollywoodianas usaram e abusaram por muitas décadas. E todos nós sabemos de imediato reconhecer uma delas. “Com Amor, Simon”, na segunda semana de uma carreira comercial que promete ser longa em todo o mundo, é mais um filme adolescente. Mas não só mais um filme adolescente. Vem fazer história. É um marco. É primeiro filme teen com um personagem LGBTI produzido e distribuído por um grande estúdio, a Fox.
No prólogo, voz em off, Simon (Nick Robinson, carisma com longa carreira pela frente) narra ao espectador: “Eu sou como você. Exceto que tenho um segredo: sou gay”. O adolescente de 17 anos tem existência de classe média alta. Vamos chamá-la de normal. Família amorosa. Os pais ( Jennifer Garner e Josh Duhamel) são o casal modelo, saudável e atraente. A irmã caçula, aspirante a chef, é uma fofa ao redor da qual a família inteira se mobiliza para os complicados cafés da manhã. E esta rotina matinal prossegue no caminho da escola, quando Simon dá carona a seus três amigos mais chegados. Com uma educação sólida como suporte – apesar de algumas piadas inadequadas do pai –, Simon não deveria ter qualquer razão para não contar seu segredo à família e aos amigos, certo? Quase. Mas então o filme acontece, e desafia aquela ideia de que a aceitação de pessoas íntimas e queridas é a única pressão que um adolescente gay sente quando pensa em sair do armário.
Quando Simon vê um post anônimo assinado por um tal “Blue”, outro adolescente ainda trancado, mas também já forçando a porta, ele de imediato inicia secretamente uma troca de e-mails assinando “Jacques”. Esta troca anônima de mensagens com um estranho que passa pela mesma experiência dá a Simon o tipo de apoio que sua família e seus amigos hétero não podem fornecer. Então, quando Simon se apaixona por Blue, ele passa a suspeitar que vários colegas de classe possam ser o amigo do armário. A cada vez, ele imagina Blue digitando um e-mail para ele e, a cada vez, um novo rosto é revelado numa combinação secreta, inebriante e prazerosa. É um recurso visual artificial, mas bastante eficaz, que vem iluminar o poder sedutor da fantasia romântica adolescente idealizada e alimentada pelo anonimato.
Como todas as comédias românticas agridoces, “Love, Simon” oferece sua parcela de personagens engraçados, alguns meio fora da casinha. Há o vice-diretor da escola, entre bem intencionado e um tanto arrogante. Também relevante a presença de Ethan (Clark Moore), o gay já
Filme que traz um adolescente gay, dá um passo importante pela luta contra a homofobia
assumido e confiante que devolve à altura o bullying que sofre, colocando em seu devido lugar os valentões da escola; e Martin (Logan Miller), o garoto atrapalhado à procura de atenção, seja na montagem teatral de “Cabaret” (bem a propósito, para quem lembra do argumento da peça/filme), seja na armação que apronta com Simon, ameaçando chantageá-lo para namorar sua bela e melhor amiga.
“Com Amor, Simon” tem dívidas para com os clássicos para adolescentes que John Hughes fez no final do século passado (“Curtindo a Vida Adoidado”, “O Clube dos 5”, “Gatinhas e Gatões”, entre outros), e faz a crítica de uma das convenções mais impressionantes do gênero: a declaração pública do amor. Muitas vezes fabricado pelos roteiros para ser o momento triunfal do protagonista, aqui é mostrado como o ato egoísta que realmente é, ensinando não apenas a Simon, mas principalmente a Martin.
Enquanto Love, Simon está em dívida com os filmes clássicos do adolescente John Hughes do passado, pelo menos critica uma das convenções mais impressionantes do gênero: a declaração pública do amor. Muitas vezes fabricado para ser o triunfante momento de “conquista desbloqueada” do protagonista, aqui é mostrado para o ato egoísta que realmente é, ensinando não apenas Simon, mas a Martin sem noção uma lição de amor. “Com Amor, Simon” tem seus problemas. Sua representação de questões de identidade gay adolescente é um tanto simplista, e o mesmo se pode dizer da fantasia do personagem cercado por colegas dançando intensamente. Embora o filme seja explícito ao descrever seu discurso central – sobre como um garoto gay pode e deve lutar para assumir publicamente sua orientação sexual, ou identidade de gênero –, essa imagem da normalidade deixa o espectador querendo mais profundidade dos personagens. Ainda assim, é filme importante porque diversifica o cânone de amadurecimento gay, no qual os protagonistas são muitas vezes alienados. E dá um passo importante porque é satisfatório como arma na luta contra a homofobia.