Aconselhamento genético pelo SUS gera polêmica
Em discussão no Ministério da Saúde, proposta visa orientar casais sobre a possibilidade de ter filho com doença rara. A Sociedade Brasileira de Genética Médica considera a medida inadequada porque não estabelece políticas claras sobre o que fazer quando
Uma proposta de política pública em elaboração no Ministério da Saúde já causa polêmica entre médicos, familiares e entidades que apoiam pessoas com as chamadas doenças raras. Para orientar casais sobre o risco de ter um filho com uma das doenças, está em discussão no órgão uma proposta de disponibilizar, através do SUS (Sistema Único de Saúde), aconselhamento genético prénupcial para casais.
O projeto ainda está em debate, mas a princípio, conforme informações do próprio Ministério da Saúde, o aconselhamento será oferecido nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde) para pessoas que tenham curiosidade de investigar o risco. Se decidirem ter o filho a despeito do resultado dos exames, o Ministério afirma que as famílias serão encaminhadas para geneticistas e terão acompanhamento.
De origem genética, as doenças raras são de difícil diagnóstico e, individualmente, acometem poucas pessoas. O conjunto das patologias, porém, chega a milhares de nomes complicados e atinge de 8% a 10% da população. Surdez congênita, fibrose cística do pâncreas, distrofia muscular e talassemia, entre muitas outras, integram o grupo.
Ainda de acordo com o Ministério, o gasto do SUS com diagnóstico, tratamento, internações e cirurgias nos casos de doenças raras chega a quase R$ 8 bilhões por ano. O valor varia bastante de doença para doença, mas em casos excepcionais o gasto com remédio chega a R$ 2,5 milhões ao ano por paciente. Além desses gastos, o governo considerou o “custo social”, com bolsas e aposentadorias, e o sofrimento dos pacientes e suas famílias, para propor a política.
A SBGM (Sociedade Brasileira de Genética Médica) afirmou em nota assinada pela presidente da entidade, Carolina Fischinger Moura de Souza, que defende a oferta de aconselhamento genético em todas as partes do Brasil, mas argumenta que, do ponto de vista técnico, o projeto é inadequado. “Nosso país não oferece, na atenção básica de saúde, orientações sobre doenças raras. Para realização de qualquer teste genético há necessidade de orientações através do aconselhamento genético, para depois realizar o exame”, pondera o documento.
Para a sociedade médica, o governo está adotando uma “medida simples” para tentar reduzir a frequência de doenças raras, mas ainda não tem políticas claras sobre o que fazer, por exemplo, quando o teste demonstrar algum risco ao casal. A nota questiona se haverá oferta de acompanhamento para diagnóstico préimplantacional (método não disponibilizado no SUS), diagnóstico pré-natal ou mesmo a possibilidade de interrupção da gestação. “Este projeto na realidade, interfere nos paradigmas do aconselhamento genético que tem como premissa a autonomia, não maleficência e respeito aos direitos reprodutivos do indivíduo.”
Outro aspecto apontado pelo documento divulgado pela SBGM é a preocupação com um possível componente eugênico (processo que pretende aprimorar a genética humana) no programa, “nem tanto pela real possibilidade de que o aconselhamento genético implique em um aumento da discriminação contra portadores de deficiências, mas principalmente pela maneira pela qual o resultado desses testes prénupciais poderiam ser divulgados aos noivos”, descreve.
Há quatro anos o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras. Além disso, aprovou as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do SUS e instituiu incentivos financeiros de custeio. A nota da SBGM destaca, porém, que o cumprimento da política avança a passos lentos. O Brasil tem apenas sete centros de referência habilitados e, mesmo assim, com limitações importantes nas estruturas e verbas para oferecer os testes complementares necessários, com equipe de trabalho que possa atender às necessidades de uma população de 210 milhões de pessoas.
“Teríamos que dispor, no mínimo de cinco vezes o número de centros de referência nos moldes estabelecidos pela Portaria 199. Sem a implementação prática e concreta dos princípios, torna-se complexo pensar em aconselhamento genético para todo cidadão brasileiro.”
CONTRADIÇÃO
Para Regina Próspero, vicepresidente do Instituto Vidas Raras – que apoia pacientes e famílias com casos das doenças -, antes de ampliar a oferta de serviços, o Ministério da Saúde deveria investir em diagnóstico e acompanhamento dos pacientes. “Pedimos há quatro anos que seja instituído no protocolo do SUS o teste do pezinho expandido, que diagnostica 53 doenças, mas a justificativa para não oferecer é que são doenças de baixa incidência. A política atual não dá chances”, apontou ela, destacando que a proposta parece contraditória. ”O direito maior é ter um diagnóstico, seja ele bom ou ruim, porque é a partir dele que sabemos o que esperar e como conduzir”, complementou.
Apesar de não se posicionar contra a necessidade de haver aconselhamento pré-nupcial, ela opina que é preciso melhorar a proposta. “Não adianta fazer exame se não será ofertada profilaxia, aconselhamento genético ou até a possibilidade de interrupção da gravidez caso seja desejo da família”, questiona.