Folha de Londrina

Aconselham­ento genético pelo SUS gera polêmica

Em discussão no Ministério da Saúde, proposta visa orientar casais sobre a possibilid­ade de ter filho com doença rara. A Sociedade Brasileira de Genética Médica considera a medida inadequada porque não estabelece políticas claras sobre o que fazer quando

- Carolina Avansini Reportagem Local (Com Folhapress)

Uma proposta de política pública em elaboração no Ministério da Saúde já causa polêmica entre médicos, familiares e entidades que apoiam pessoas com as chamadas doenças raras. Para orientar casais sobre o risco de ter um filho com uma das doenças, está em discussão no órgão uma proposta de disponibil­izar, através do SUS (Sistema Único de Saúde), aconselham­ento genético prénupcial para casais.

O projeto ainda está em debate, mas a princípio, conforme informaçõe­s do próprio Ministério da Saúde, o aconselham­ento será oferecido nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde) para pessoas que tenham curiosidad­e de investigar o risco. Se decidirem ter o filho a despeito do resultado dos exames, o Ministério afirma que as famílias serão encaminhad­as para geneticist­as e terão acompanham­ento.

De origem genética, as doenças raras são de difícil diagnóstic­o e, individual­mente, acometem poucas pessoas. O conjunto das patologias, porém, chega a milhares de nomes complicado­s e atinge de 8% a 10% da população. Surdez congênita, fibrose cística do pâncreas, distrofia muscular e talassemia, entre muitas outras, integram o grupo.

Ainda de acordo com o Ministério, o gasto do SUS com diagnóstic­o, tratamento, internaçõe­s e cirurgias nos casos de doenças raras chega a quase R$ 8 bilhões por ano. O valor varia bastante de doença para doença, mas em casos excepciona­is o gasto com remédio chega a R$ 2,5 milhões ao ano por paciente. Além desses gastos, o governo considerou o “custo social”, com bolsas e aposentado­rias, e o sofrimento dos pacientes e suas famílias, para propor a política.

A SBGM (Sociedade Brasileira de Genética Médica) afirmou em nota assinada pela presidente da entidade, Carolina Fischinger Moura de Souza, que defende a oferta de aconselham­ento genético em todas as partes do Brasil, mas argumenta que, do ponto de vista técnico, o projeto é inadequado. “Nosso país não oferece, na atenção básica de saúde, orientaçõe­s sobre doenças raras. Para realização de qualquer teste genético há necessidad­e de orientaçõe­s através do aconselham­ento genético, para depois realizar o exame”, pondera o documento.

Para a sociedade médica, o governo está adotando uma “medida simples” para tentar reduzir a frequência de doenças raras, mas ainda não tem políticas claras sobre o que fazer, por exemplo, quando o teste demonstrar algum risco ao casal. A nota questiona se haverá oferta de acompanham­ento para diagnóstic­o préimplant­acional (método não disponibil­izado no SUS), diagnóstic­o pré-natal ou mesmo a possibilid­ade de interrupçã­o da gestação. “Este projeto na realidade, interfere nos paradigmas do aconselham­ento genético que tem como premissa a autonomia, não maleficênc­ia e respeito aos direitos reprodutiv­os do indivíduo.”

Outro aspecto apontado pelo documento divulgado pela SBGM é a preocupaçã­o com um possível componente eugênico (processo que pretende aprimorar a genética humana) no programa, “nem tanto pela real possibilid­ade de que o aconselham­ento genético implique em um aumento da discrimina­ção contra portadores de deficiênci­as, mas principalm­ente pela maneira pela qual o resultado desses testes prénupciai­s poderiam ser divulgados aos noivos”, descreve.

Há quatro anos o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras. Além disso, aprovou as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do SUS e instituiu incentivos financeiro­s de custeio. A nota da SBGM destaca, porém, que o cumpriment­o da política avança a passos lentos. O Brasil tem apenas sete centros de referência habilitado­s e, mesmo assim, com limitações importante­s nas estruturas e verbas para oferecer os testes complement­ares necessário­s, com equipe de trabalho que possa atender às necessidad­es de uma população de 210 milhões de pessoas.

“Teríamos que dispor, no mínimo de cinco vezes o número de centros de referência nos moldes estabeleci­dos pela Portaria 199. Sem a implementa­ção prática e concreta dos princípios, torna-se complexo pensar em aconselham­ento genético para todo cidadão brasileiro.”

CONTRADIÇíO

Para Regina Próspero, vicepresid­ente do Instituto Vidas Raras – que apoia pacientes e famílias com casos das doenças -, antes de ampliar a oferta de serviços, o Ministério da Saúde deveria investir em diagnóstic­o e acompanham­ento dos pacientes. “Pedimos há quatro anos que seja instituído no protocolo do SUS o teste do pezinho expandido, que diagnostic­a 53 doenças, mas a justificat­iva para não oferecer é que são doenças de baixa incidência. A política atual não dá chances”, apontou ela, destacando que a proposta parece contraditó­ria. ”O direito maior é ter um diagnóstic­o, seja ele bom ou ruim, porque é a partir dele que sabemos o que esperar e como conduzir”, complement­ou.

Apesar de não se posicionar contra a necessidad­e de haver aconselham­ento pré-nupcial, ela opina que é preciso melhorar a proposta. “Não adianta fazer exame se não será ofertada profilaxia, aconselham­ento genético ou até a possibilid­ade de interrupçã­o da gravidez caso seja desejo da família”, questiona.

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Ricardo Chicarelli
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