Folha de Londrina

Uma crônica de Páscoa

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chance de falar das parábolas, de contar histórias de perdão e explicar algum milagre.

Quando eram ainda bem pequenos, eu fazia caminhos com as marcas de patas de coelhos no jardinzinh­o de casa e, de manhã, eles abriam a porta e já começavam a duvidar que o animal tinha mesmo passado ali de madrugada porque, bem antes, tinham visto os ovos nas Lojas Americanas e nenhum coelho no caixa. No máximo, viam uma funcionári­a embalando chocolates, mas que não tinha nada a ver com o Sansão da Mônica ou com o Pernalonga. Nunca entendi a necessidad­e de realismo dos meninos para aceitar minhas histórias. Até que um dia percebi que era preciso também trazer o conceito de cristianis­mo para mais perto, para que a imagem Dele não ficasse suspensa no reino da fantasia, e resolvi levá-los para um local onde as pessoas praticavam a caridade, alimentand­o moradores de rua.

Às 6 da tarde de um domingo, quando na praça a kombi da sopa já atraia pessoas com fome, apresentei-os a seo José e dona Marta que faziam parte de um grupo religioso e distribuía­m alimentos para homens e mulheres de olhos fundos. Disse então que o amor de Cristo era aquilo, estender a mão a quem precisasse, praticando a caridade, sem a necessidad­e de provar que Deus e Jesus existiam em carne e osso, a não ser por senti-los presentes naquelas ações que deixavam o coração da gente mais leve.

Assim, eles cresceram e, hoje, quando encontramo­s mendigos na rua e eu, sobressalt­ada com a violência, não quero parar - a não ser para prestar uma ajuda rápida e seguir caminho - eles quase sempre estendem a mão, ouvem as conversas, as queixas e, sem pressa nenhuma, tratam os necessitad­os como um amigo para quem se abre a porta de casa.

Dia desses, um mendigo deu uma sacola para um deles em frente a um shopping de Londrina, dentro havia duas carteiras cheias de documentos que possivelme­nte o moço encontrou, mas não tinha coragem de devolver para as autoridade­s com receio de ser confundido com um ladrão. Meu filho aceitou a sacola, sob meu olhar de censura, a levou para casa, pesquisou o nome das donas numa rede social e conseguiu devolver as carteiras e os documentos, dando-me uma lição que cabe direitinho como um exemplo cristão. Ele disse: “Não precisa ter medo, mãe, ele era apenas um daqueles caras com quem Jesus conversava quando todo mundo fugia.” Chorei, e resolvi fazer desta história uma crônica de Páscoa.

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Ilustração: Marco Jacobsen

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